23/11/2014

UMA ONDA FASCISTA CRESCE NO BRASIL


Cada vez mais uma onda fascista espalha seu ódio pelo Brasil. A composição de um Congresso Nacional extremamente conservado revela a quantas anda a mentalidade geral da nação brasileira. Contra tudo que se tentou avançar desde o fim da ditadura, caminhamos na contracorrente: vemos crescer o apoio a figuras que representam o que há de mais reacionário e fascista no mundo. 
Não é a toa que uma onda de mentiras varre o país (primeiro traço das ações fascistas). Fala-se numa ditadura comunista advinda dos pobres, negros, gays e deficientes físicos. Nada mais mentiroso, pois o que de fato assistimos é uma ditadura fascista se esboçando. E pior, apoiada por milhões de pessoas que, achando que estão perdendo alguma coisa simplesmente pelo fato de que algumas outras conseguiram um pouco mais que apenas o que comer, que conseguem expressar sentimentos que por muito tempo ficaram escondidos, que podem falar de suas condições como forma de afirmar uma posição política na sociedade, se voltam para as mais horríveis forma de pensamento e ação espelhadas em figuras que só conseguem expressar o que temos de pior. E não há nada pior que atitudes fascistas. E por que são fascistas?
São fascistas por serem sensacionalistas. 
São fascistas por desejarem mais a miséria e a tristeza do outro do que abrir-se para novas formas de encarar o mundo.
São fascistas por expressarem conteúdos preconceituosos se dizendo representantes de um tal “bem comum”. 
São fascistas por pregarem o racismo e a xenofobia.
São fascistas pelo grau de intolerância que expressão em público como forma de ganharem aplausos e visibilidade. 
São fascistas por conta dos seus comportamentos fanáticos. 
São fascistas por defenderem a violência como forma de resolver os conflitos.
São fascistas por se colocarem como superiores frente aos outros.
São fascistas por defenderem apenas seus privilégios.
São fascistas aqueles que não abrem mão de um pouco em nome de justiça social.
E onde encontramos fascismo no Brasil?
Em todos os lugares. Em todas as regiões. Em todas as religiões. Em todas as classes sociais. Em todas as sexualidades. Em todas as escolas. Em todas as casas. Em todas as empresas. Em todos os times de futebol. Em toda programação da TV e do rádio...
É um fenômeno difícil, mas precisamos entendê-lo e lutar contra ele urgentemente.
O primeiro passo é revermos nossa forma de pensar, revermos a quem apoiamos, revermos nossos valores, revermos o que queremos para nós e para os outros a nossa volta.O fascismo deve ser combatido a partir, e principalmente, de dentro de cada um. Deve ser combatido nas instituições onde corroí a partir de dentro. Precisamos compreender que suas artimanhas são diversas e sutis. Nada de firula, o fascismo tem de ser combatido de forma prática e ativa. Devemos ser direto contra ele. O fascismo só pode ser vencido se for enfrentado de modo objetivo e prático. (Mas isso não significa dizer que devemos usas as mesmas formas de ação que ele usa) 
Devemos ter em mente também que o fascismo (e todo fascista) tem uma grande e principal fraqueza: ele não tem respostas para as questões contingentes da vida. Essa cegueira que o(s) acompanha faz com que só consiga(m) ver o mundo e os outros a partir de uma distorção, uma projeção mental, enfim, ele desconhece total e completamente aquilo que não é ele próprio, aquilo que é diverso. E eis ai também a maior vantagem daqueles que vão combatê-lo: como ele acredita que sabe exatamente o que o outro é, esse outro possui um enorme campo de possibilidade de criação e movimento.




Alexsandro

SIMPLES ASSIM


O ceticismo só terá valor se conseguir destruir algumas expectativas idiotas, caso contrário de que valeria tanto esforço acadêmico.
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Não há nada mais horrível que um animal domesticado - vejam os cães e gatos. Neles habitam um rancor que só nós, homens e mulheres, domesticados desde sempre, conhecemos bem. O rancor por ter perdido a inocência selvagem. Tal fato não poderia ser perdoado e não perdoamos: enquanto não domesticarmos todos os outros animais, para que sofram como nós, não descansaremos, e aos que se recusarem, destruiremos.


Alexsandro

A VIDA COMO UM CHUTE NO ESTOMAGO


Como estamos submergidos em sistemas de hierarquias tradicionais acreditamos que o mundo segue ou deve seguir algum plano que conseguimos entender. Como estamos impregnados de uma rotina maçante de burocracia acreditamos que o mundo respeita uma lógica e que essa lógica pode ser administrada por nossa consciência e racionalidade. Enfim, o fato de se acreditar que o mundo vai seguir na direção que desejamos não significa que ele vai. Não vai. O confronto entre aquilo em que se acredita e se deseja e aquilo que acontece sempre causa desconforto. O mundo a nossa volta sempre será maior que as expectativas, esperanças e desejos alimentados. Assim, o fato de se acreditar que o mundo é do jeito que se percebe não significa que ele seja. Deve-se conformar? Não sei. Mas é fato que ele não é e nunca será como se acredita. Basta ver que quando se pensa numa vida ideal geralmente se comete o grande erro de não colocar como a variável mais importante o fato de que a vida nunca segue na direção que se apontou. É, a vida ideal terá sempre como contraponto as transformações do mundo. Na contingência da vida, os acontecimentos não param de surgir. Ou seja, aquele elemento novo, aquele fato inusitado, aquelas escolha não calculado, aquela possibilidade não prevista... sempre virão para nos deslocar de alguma forma. 
E onde se encontra o problema? Na vida? Não. Mas na nossa resistência e na nossa incompetência de buscar outras respostas -- nesse fato se revela a fragilidade da nossa condição.


Alexsandro

MOEDA CORRENTE DO MERCADO


A nossa subjetividade - nossas emoções, formas de pensar, ideias, sensações, sentimentos, personalidade ... – se encontra diante de uma infinidade cambiante de fluxos heterogêneos - todo esse movimento incessante de coisas acontecendo a nossa volta, vindas de todas as direções, para as quais não fomos e, por isso mesmo, não estamos preparados para encara-las. Isso porque o sistema capitalista, centrado no mercado, não nos deixa sossegar um só minuto, seja oferecendo coisas, seja nos tirando coisas. O impacto desse fato sobre os processos de individuação ou subjetivação - o processo pelo qual nos tornamos quem somos - é imenso e perverso. Há um processo fascista de agenciamento de intensidades, ou, o controle, a padronização, a homogeneização e a distribuições de certas emoções, sensações, formas de pensar, ideias e sentimentos para o conjunto da sociedade – distribuição que acontece como com qualquer produto do mercado. Assim, o exercício de nossa individuação – processo pela qual nos tornamos indivíduos – que poderia ser fruto de imensa criatividade, é, de saída, mediado por um sistema metaestável de singularidades pré-individuais e impessoais mediadas pelo capital. 
Ou seja, o sistema simbólico (que define nossa visão de mundo) que usamos para tirar os elementos que usaremos para constituição de quem somos – sistema que só existe enquanto elemento de criação simbólica e cultural, e que dizem respeito as coisas que usamos para nos tornemos quem somos, que são e sempre serão pura invenção cultural, são hoje produzidas nos interstícios do capitalismo. 
Dizendo de outra forma, aquilo que somos ( por meio daquilo que usamos para nos constituir) é nada mais que moeda corrente do mercado - um mercado volátil e instável, que muda incessantemente. 
Por conta disso, o que anda acontecendo conosco? Não estamos conseguindo articular duas coisas duas coisas fundamentais para podermos nos constituir: 
- Sedimentação estrutural - uma estrutura que possibilitaria a estabilidade que precisamos para nos constituirmos de maneira mais potencializada e potencializadora.
- Agitação caótica - o mundo agitado, em constante mudança, no qual vivemos
Conclusão: se a nossa vida é composta por várias áreas de significação e estas áreas se encontram hoje sob o domínio do capital e se em cada área da realidade que adentramos novas exigências emocionais e psíquicas são exigidas de nós, a consequência é que quanto mais coisas mudam, quanto mais instável é nosso mundo, com quanto mais coisas nos envolvemos, quanto mais rápido as coisas acontecem, mais instáveis ficamos, mais ao limite daquilo que podemos suportar somos levado.

AOS QUE CLAMAM POR DITADURA


Você é um FASCISTA. É assim mesmo que você pode ser definido. É, existe um conceito para definir as atitudes, as ideias, as crenças e ações que emana de você. Sabendo ou não, você se encontra alinhado com coisas que sempre representaram o pior que a humanidade produziu.
Você traz consigo um ar de autoritarismo. Confunde adversário com inimigo.
No seu caso e no caso do Brasil, isso tem uma explicação: como povo e como cidadãos (conceitos delicados e difíceis) não entendemos bem o que é o espaço político. Isso também tem uma explicação: nossa história, sobretudo a mais recente, foi pautada por um clima muito ruim, o da ditadura militar, que como toda ditadura, só se sustentava na base de produzir inimigos, reais ou imaginários. Enfim, e para nossa tristeza, nosso “caráter nacional” traz esse ranço, um sabor amargo de totalitarismo que já deveríamos ter cuspido fora, mas que alguns ainda insistem em manter na boca. Sabor que na boca de alguém como você é mais amargo ainda. E isso fica claro quando clama por um poder que venha para destruir o outro, no nosso caso, o caso do Brasil, um outro que nunca te ameaçou, que apenas pensa diferente e que quer vive bem, assim como você quer viver bem. Você pede por uma ditadura como se ela fosse trabalhar em teu nome e para você. Como se ela fosse transformar tua vida para melhor enquanto destrói a do outro. Mas saiba que as coisas não são assim tão simples. Há muito mais coisas implicadas no teu desejo por uma ditadura. Saiba que todo fascista se encontra oscilando entre dois extremos feios e perigosos: a xenofobia e o ufanismo.
Fascista, xenófobo e ufanista não são emblemas bons de ter, a não ser que você realmente queira ser uma pessoa ruim. E como sabemos que muita gente só é boa por falta de opção, tenho muito medo que queira ser ruim e que apenas ainda não teve oportunidade para isso e que sonhar por uma ditadura seja sonhar pela oportunidade de colocar sua maldade para fora. Se você quer ser esse tipo de pessoa, sinto muito por você e por mim. Sobretudo por mim, que a partir de agora corro perigo convivendo com você. Você é ameaçador, você é um risco a minha vida e a vida de todos aqueles que amo e que compartilham comigo o mesmo modo de viver e as mesmas crenças.
Mas se você não quer ser o tipo ruim de pessoa que todo fascista é, sugiro uma coisa: procure entender melhor o país no qual vive. Seus fenômenos e acontecimentos. Pesquise sua história. Saia do seu circulo vicioso, da sua zona de conforto. O país no qual vivemos, assim como todos os países, é cheio de contradições. Ele tem coisas boas e ruins, alegres e tristes. Há pessoas maravilhosas que o habita. Mas há também pessoas muito ruins, por isso, procure ficar alerta para não acabar fazendo parte desse grupo.
Procure entender as razões pelas quais chegamos a esse estado de coisas. O mundo passa por mudanças profundas, mudanças que afetam todos nós. 
Digo-te mais: o maior problema do Brasil hoje é a existência de uma mentalidade presente em todos nós, uma mentalidade que nos faz acreditar que as soluções dos nossos problemas serão fáceis e virão de algum ser iluminado, que com uma varinha mágica transformará a todos em pessoas felizes e incorruptíveis. O problema é que falamos a língua dos fingidos, daqueles que dizem uma coisa e fazem outra. Falamos a língua dos capitalistas achando que falamos a língua dos anjos.
Digo-te mais ainda: desqualificar outros seres humanos por conta de uma região geográfica é naturalizar questões que estão muito aquém deste reducionismo medíocre. Desqualificar outros seres humanos só por que eles pensam diferente é agir como um idiota. Da mesma forma que achar que se faz parte do povo eleito ou que mora na melhor região geográfica do mundo é não entender que todos os recortes que produzem as fronteiras foram frutos de processos dolorosos que deixaram um rastro de sangue e dor que você insiste em querer reproduzir e perpetuar. Insiste na presença de um poder autoritário, insistir que uma separação entre lados que sofrem os mesmos problemas te colocaria no melhor dos lados é não entender que o principal fator das separações é justamente a incapacidade de um lado entender as razões e prioridades do outro, mas agindo de forma intransigente não te fará uma pessoa melhor e, muito menos, não fará nosso mundo e nosso viver juntos melhor. 
Não seja intransigente, só os xenófobos, ufanistas e fascistas são intransigentes.
Corrupção não se combate com ditadura, com totalitarismo, com nazismo, com fascismo. Corrupção se combate com a participação das pessoas nos órgãos das administrações públicas, com a circulação de informações, com pessoas informando e sendo informada. Corrupção se combate não sendo corrupto. Corrupção se combate com amigos unidos formando um só povo, pois amigos não roubam e não desejam o mal para os amigos.
CONTRA UM MUNDO DE FASCISTAS, UM MUNDO DE AMIGOS.



Alexsandro


24/08/2014

A banalidade do mal e o Serviço Público de Eliminação de Inúteis


Hannah Arendt, filósofa, falou sobre a banalidade do mal. Uma ideia simples, mas ao mesmo tempo assustadora. O que significa a tal banalidade do mal? Significa que o mal não é necessariamente praticado como uma ação decididamente maligna. Aquele que o faz não é nada mais nada menos que um ser humano comum. Não se é mal apenas a partir de um histórico de violências ou por se possuir um caráter distorcido ou moral e psicologicamente doentio. É-se mal também quando se acredita agir por dever dentro de uma lógica de cumprimento de ordens superiores. Pode-se ser mal de maneira mais simples ainda, apenas agindo motivado por um tolo desejo de ascender em qualquer carreira profissional. Pode-se ser mal de forma ainda mais boba e idiota quando se age dentro de uma lógica burocrática, cumprindo ordens sem questioná-las e desejando ser elogiado por ter feito tudo conforme mandado. 
O mal está presente nas nossas ideias e podemos não nos dá conta disso. Mas devemos entender que o mal não é um demônio que toma posse do nosso corpo, não é uma categoria filosófica que existe pairando no mundo das ideias. O mal só existe no “ato mau” que praticamos, na “ação má” que deliberadamente fazemos acontecer, no “pensamento mau”, nas “ideias más” que fazemos circular sem nos dá conta das implicações do seu conteúdo. O mal é produto nosso, de homens e mulheres, e se manifesta em razão de nossas escolhas.
Quando escuto, vejo ou leio algo como um comentário no qual um homem ou uma mulher fala com desprezo de outro ser humano, afirmando que o mundo seria melhor se ele ou ela passassem fome, que outro ser humano é vagabundo ou preguiçoso apenas porque é miserável me questiono sobre o que somos. Somos alguma espécie de abelha? Só valemos para a colmeia se formos produtivos? Se não der lucro para alguém ou contribuir para o engrandecimento do estado não temos valor algum? É isso que vale? É assim que deve funcionar? Se não formos um cidadão modelo, um operário padrão, um homem ou mulher bem obediente devemos ser eliminados?
O que me assusta é que se fosse proposto a criação de um "Serviço Público de Eliminação de Inúteis" faltaria vagas para tantos candidatos ao posto de “selecionador de inúteis” (inúteis que iriam queimar nos fornos mantidos acessos por gente de bem). O que demonstra como há fascistas disfarçados de "gente boa" andando por ai.

P.S.: Abandonar a banalidade do mal é buscar agir de forma ética. É entender que se faz necessário um pensamento crítico que nos leve a ver outro ser humano como humano e não como coisa.


Alexsandro

11/08/2014

Somos alienígenas em nosso próprio planeta



A sociedade contemporânea, marcadamente mercadológica, se reproduz num processo alucinante, numa espécie de canibalismo de si: produção e consumo sem medida para absolutamente tudo. Sociedade na qual cada um e todos são alienígenas que não conseguem se encaixar. 
Fazemos muito esforço para que tudo se encaixe. Mas nada se encaixa, cada aspecto das nossas vidas tem pouca ou nenhuma ligação com outros aspectos. Se fossemos um personagem sem nome, sem história, sem propósito, não faria a menor diferença. Sem alma e sem essência sob as camadas da pele, percebemos que somos algo que não mais reconhecemos como nosso. Nossos diálogos são lacônicos: diálogos que não fazem refletir. Vivemos com a sensação de já ter visto tudo antes, de já ter ouvido tudo antes, de fazer sempre do mesmo modo. Sabe aquela sensação de vida desconectada?
Por nada fazer sentido, buscamos uma humanidade que não possuímos por meio da inveja dos outros - que me invejem, pois assim confirmo que sou algo com significado. Estimula-se a inveja como forma de se chegar a ser algo próximo do desejável em termos de produto a venda. Daí, da inveja à sedução: seduzimos e nos deixamos seduzir para tentar confirmar que fazemos parte de algo maior do que nós e que nosso lugar está garantido. 
Como alienígenas em nosso próprio mundo, abdicamos do poder de habitá-lo como força viva e potencia vigorosa da vida. Sucumbimos diante do poder de sedução do mercado que nos capturou e abduziu a vida humana e suas forças de criação.



Alexsandro

O marketing da salvação e a nossa incapacidade de produzir boas soluções




O tempo das hierarquias ou papeis estáveis e previsíveis, típicos das sociedades pré-modernas, passou. Proclama-se o movimento, o fluido, questionam-se as autoridades. Festeja-se a autonomia e a liberdade como valores absolutos, mesmo que não sejam vividos em sua plenitude. Vivemos o tempo no qual o individuo assumiu o ônus das suas opções, mesmo que não esteja preparado para pagar e assumir a autonomia de sua vida como um fardo sem suporte. Assim, a imagem de homens e mulheres passivos, típicos da visão cosmocêntrica na qual estes mesmos homens e mulheres se viam como partes da criação, amoldando-se as leis (divinas ou naturais) preexistentes, já não satisfaz. Queremos-nos ativos, nos imaginamos senhores de nossos destinos. A nova imagem antropocêntrica tem na autocriação seu mote de direcionamento.
Não chegamos ao tempo atual a partir de movimentos de acontecimentos ideologicamente articulados, mas como resultado de uma evolução histórico-cultural não linear e irreversível. Somos o resultado de processos que romperam com modelos existentes e cujo impacto social denotou saltos qualitativos na dimensão simbólica da existência a ponto de introjetar novos sentidos e significados na realidade vivida por nós. Tamanho foi esse processo que desencadeou uma convulsão nos valores até então estabelecidos. Se se passar em revista o momento atual, uma de suas marcas registradas é, decerto, a crise que implica uma ruptura total com traços culturais que, por exemplo, colocava a solidariedade como um dos fundamentos essenciais da vida social. A ideia de uma identidade construída tendo como referência relações que implicam ou que induziam para o bem de toda a sociedade já não é tão forte (se é que um dia foi). Em vez disso tem-se uma exagerada valorização do individualismo, onde tudo parece convergir para saciar e garantir a realização individual em detrimento do bem social. Estabeleceu-se a tirania da autorrealização. Em contrapartida, e no seu inverso, as questões básicas da sociedade foram relegadas ao nível quase do insignificante. 
É neste contexto que o mercado passa a ser o setor das realizações humanas. Suas leis implacáveis legislam, entretanto, para satisfazer apenas aqueles que possuem poder aquisitivo satisfatório. O distanciamento entre os grupos economicamente definidos só aumenta. A opulência dos mais abastados, o consumo sofisticado das elites e a realização individualista que vivem e promovem como verdade a ser seguida torna insignificantes as questões que dizem respeito aos precários níveis de sobrevivência da maioria. 
(Sem dúvida que questionamentos foram feitos e por meio deles tomou-se consciência de que toda esta precariedade, não apenas econômica, mas, sobretudo ética, na qual a sociedade se encontra submergida.)
E o que dizer sobre o sagrado no cotidiano das sociedades? Um olhar, mesmo que descomprometido ou sem interesse, permite perceber que a amplitude do fenômeno religioso é significativa. Florescem religiões, multiplicam-se feiras místicas, a leitura esotérica ganhou espaço entre os best-sellers, aspectos religiosos são usados em campanhas eleitorais, a televisão põe dentro de casa o padre ou o pastor, atletas fazem suas orações antes das competições em meio ao público, demonstrando assim que as práticas religiosas encontram-se espalhadas por toda sociedade. Mais estes são apenas os aspectos mais palpáveis do fenômeno. Devemos ter claro que a extrema valorização do indivíduo levou-nos a uma série de fenômenos que se caracterizam por ampliarem o desvinculo entre os indivíduos e entre esses e a sociedade - é a corrupção, a guerra, a poluição, os assaltos, o desemprego, as epidemias, a desigualdade social, a competição, a autorrealização (em vez da realização conjunta), etc. A solução para a questão do desvinculo demandaria a mudança em nosso modo de conceber e vida e nosso modo de relacionar-se com os outros e com o mundo. Enfim, soluções que se encontram em um espaço ainda não ocupado pela maioria das pessoas ou cujos significados concorrem com significados produzidos por aqueles que desejam manter tudo como ai se encontra. Para estes mais vale promover supostas soluções e significados que passem pelos produtos e serviços a venda e que foram produzidos em suas fábricas de promessas imediatistas. É assim, o significado e a superação do que ai se encontra são buscados recorrendo às promessas imediatistas de uma vida melhor feitas sob medida para o consumidor. É aqui que religião e mercado se encontram. Uma das mais velhas práticas utilizadas ao longo das épocas para oferecer respostas e soluções para os problemas humanos, a religião, se soma ao mercado, o ambiente que a pouco se estabeleceu como o promotor de todo tipo de solução para qualquer questão humana. Da soma dos dois sai o marketing da salvação.
É isso, para homens e mulheres desejosos de soluções para suas vidas, existe o marketing da salvação, que promete salvação individual em um mundo marcado por manifestações de miséria cujo fim não se percebe a partir de soluções advindas de qualquer daqueles que ocupam postos criados para, de fato, produzirem soluções eficazes e sem engodo e que deveriam ser os promotores reais das necessárias soluções ou não se entende que muitos dos nossos principais problemas, sejam individuais ou coletivos, só serão satisfatoriamente resolvidos com o comprometimento de todos.
Neste contexto o marketing da salvação promove uma estratégia na qual a salvação (solução de qualquer problema humano) passa a ser entendida como a posse e o consumo do sagrado. Em tais práticas não se reflete sobre a significação, a dimensão existencial do gesto ou do objeto sagrado. O que existe é apenas mercadorias descartáveis e tentativas isoladas de, no dia-a-dia, salvar o emprego, evitar a solidão, sarar as doenças e livrar-se daquelas situações que nos colocam em guerra uns com os outros. Desta forma, o próprio sentido da religião, o religare (religamento), fica deformado em meio a tanta luta ou em meio à busca compulsiva de um sentido produzido ao gosto do freguês.
O delicado e o mais revelador da questão é o fato de que apesar de tudo isso é possível ler a esperança lançada no mundo religioso. Seja através do consumo de objetos ou de práticas, o fenômeno revela o desejo presente em mulheres e homens de fazerem o religamento, embora nem tanto com Deus, mas com aqueles com quem dividem a vida. A religião e o mercado, e dentro dos dois as nossas angústias, é prova da nossa luta para refazer os vínculos humanos que foram despedaçados ao longo dos últimos tempos. A religião e o mercado são a prova da nossa incapacidade de produzir boas soluções para um dos nossos principais problemas: como tornar o nosso estar juntos melhor.



Alexsandro



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06/08/2014

Realizar é diferente de conformar



No mundo da autoajuda, da motivação e da teologia da prosperidade o apelo a ideia de "realizar” é uma constante. Vemos uma infinidade de sugestões e dicas de como fazê-lo:
 - O caminho para a realização de seus sonhos pode não ser nada fácil. Muitas vezes, significa sacrifícios difíceis e decisões cheias de riscos e inseguranças envolvidos. Para muitos é a coisa mais difícil da vida. Ainda assim, podemos ver diariamente exemplos de pessoas que não deixaram esses fatores serem maiores do que a vontade de conseguir o que desejam;
 - Aprender a transformar os sonhos em realidade pode parecer muito difícil, mas garante sua satisfação pessoal;
 - [5, 6, 7, um milhão de] Passos para realizar seus sonhos profissionais;
 - [5, 6, 7, um milhão de] Dicas para realizar seus sonhos e superar limites;
 - A crença de ser capaz de seguir adiante e realizar seu desejo é fundamental para que isso aconteça;
 - Entre em contato com a essência do que está buscando. Entre em contato com o sentimento que a realização do sonho trará à sua vida, e perceberá que seu sonho pode ter muitas formas de se transformar em realidade;
 - Cuide da sua autoestima. Você precisa sentir-se valioso e merecedor do sonho que quer realizar;
 -[5, 6, 7, um milhão de] Dicas para perder o medo e realizar seus sonhos;
 Existe até uma "Calculadora dos sonhos". Nela se pode calcular quanto custa um sonho. O idealizador afirmar que saber quanto custa é o primeiro passo para torná-lo real. A calculadora é ideal para aqueles sonhos que envolvem custos financeiros: comprar um carro, fazer uma viagem, comprar um imóvel, fazer uma cirurgia plástica, etc.

Não sei se agindo assim estamos realizando algo. Tenha a impressão que parece mais conformação que realização. Isso porque conformar é desejar aquilo que está sendo oferecido e colocar aquilo como prioridade. É por isso que muito daquilo que é apresentado como realização não passa de uma busca por conformação. A ação que parte de uma forma preestabelecida e conveniente. É colocar a ação em uma fôrma. Agir em direção ao estabelecido. Quando ouvimos frases do tipo: “estou realizando um sonho”; o sentido pode ser traduzido assim: “estou conformando minha vida ao que foi estabelecido como desejável. Desejei o desejável e agora fui recompensado”.
Por sua vez podemos pensar a realização, o realizar, como uma ação que tenta se esquivar do desejável, que tenta ir além do estabelecido.
A palavra realizar vem do latim reallis acrescida do sufixo izare (implementar, colocar em prática).
Podemos entender Realizar como a ação de criar algo para além do campo da realidade.
Vamos por parte e iniciemos fazendo uma distinção entre “real” e e “realidade”. O “real” pode ser entendido como tudo que existe; tudo, independentemente de termos contato ou não, de sabermos de sua existência ou não. Tudo que faz parte da nossa “realidade” faz parte do “real”, mas muito daquilo que faz parte do “real” não faz parte da nossa “realidade”. Nossa “realidade” é apenas um fragmento do “real”. Quando desejamos algo o fazemos dentro da nossa “realidade” conhecida, para além dela não conseguimos pensar. Podemos intuir que existe algo maior, mas dificilmente conseguimos conceber o que seja. Além desse fato advém também que nunca nos relacionamos com o mundo em si, mais sempre interpretamos o mundo. Nossa “realidade” é, por definição, o mundo segundo nossa interpretação. Uma interpretação que é sempre construída por conjuntos de valores e significados que constituem nossa cosmovisão.
Nós podemos inserir coisas no “real”? Sim, quando criamos. Um poema não era real até o poeta escrevê-lo. Um personagem de uma ficção não existia até ser descrito por um autor. No ato de criação podemos “realizar”, por algo na “realidade”, e, por consequência, no “real”.
Assim, realizar pode ser entendida como a ação de por algo diferente no mundo, de criar. Criação como uma experiência singular. Realizar é, neste sentido, uma experiência artística. Um mergulho no caos, emergindo com um sentido novo, uma expressão nova, um modo novo de fazer. É olhar em volta e sentir que aquilo que o status quo oferece não é suficiente, que há mais para além dele. É sentir o instinto de criação pulsando forte.

Só há realização quando há criação. Na conformação não há criação, no máximo reprodução. Só nos realizamos quando criamos.  


Alexsandro


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03/07/2014

Ironia, injustiça e prazer

Ironia é uma palavra cara. E quantas ironias preenchem nossas vidas. Uma delas? O fato da gente não prestar atenção às velhas lições. Lições como a do velho e rabugento Schopenhauer. Afinal não foi ele quem fez uma primorosa relação entre egoísmo e política? Quando que a gente vai aprender que a política é o campo de luta de vontades egoístas? Não é ele que aponta como a deusa do mundo (político) Éris, a deusa da discórdia?
“Por natureza, o egoísmo é ilimitado: o homem quer conservar a sua existência utilizando qualquer meio ao seu alcance, quer ficar totalmente livre das dores que também incluem a falta e a privação, quer a maior quantidade possível de bem-estar e todo o prazer de que for capaz, e chega até mesmo a tentar desenvolver em si mesmo, quando possível, novas capacidades de deleite. Tudo o que se opõe ao ímpeto do seu egoísmo provoca o seu mau humor, a sua ira e o seu ódio: ele tentará aniquilá-lo como a um inimigo. Quer possivelmente desfrutar de tudo e possuir tudo; mas, como isso é impossível, quer, pelo menos, dominar tudo: ‘Tudo para mim e nada para os outros’ é o seu lema. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo.”
Como traduzir? Fácil: cada um e todos buscam o melhor para si independentemente do outro (se é bom para mim, então é bom e foda-se o outro). E se a felicidade do outro for um impedimento para a minha, que a dele se acabe. Se a vida dele é um obstáculo para que a minha vida se expanda, que ele morra. Meu bem-estar é tudo e o bem-estar do outro é nada. Expressão máxima do egoísmo.
Se o limite para uma existência melhor, mais prazerosa e agradável é a existência do outro, atos de injustiça serão apenas uma ponte para chegar a margem que se deseja. Ou, no final das contas, injustiça será lida como aquilo que impede que alguém se expanda.
Sim, tentamos criar muitos mecanismos que impeçam o egoísmo de florescer (lei, crenças, valores), mas sempre foi um trabalho de Sísifo.
O único remédio contra a injustiça é renunciar ao prazer. Alguém ai tem disposição para tanto?


Alexsandro



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20/06/2014

Um lugar para os adultos – Infância e liberdade

O texto vai para meu sobrinho Tales (de 7 anos) 
que inaugurou sua carreira como filosofo com a seguinte reflexão:
"Pai, como ocorreu isso de surgir o nome das coisas? 
Acho que talvez tudo nem tem nome, é nós que 
inventamos  um nome para aquela coisa sem nome".



Os adultos não param de querer encontrar um lugar para infância, não param de querer determinar quais são os lugares devidos para experiência da infância, não param de querer definir o que é a infância. É nesse sentido que a figura da infância encontra-se carregada de clichês e estereótipos. Fruto de um adulto geralmente cansado de si mesmo, pesado por carregar o mundo em suas costas, condicionado pela época e pela cultura (capitalista, no nosso caso), tais figuras, em sua maioria, definem a infância como a matéria-prima para modelagem de um futuro adulto, geralmente pensado como sendo melhor do que o adulto que aí se encontra. A partir daí, todo um conjunto de aparatos foram e são pensados e usados no processo de modelagem da infância: escolas, pedagogias, psicologias, investimentos, políticas, assistências, arranjos e mais arranjos, para fazer com que as crianças cheguem a ser adultos felizes.
Há várias figuras e imagens que são associadas à infância. Uma delas geralmente associa infância com liberdade. Se pensarmos a imagem da infância como experiência da liberdade, só podemos empreendê-la de fato e seriamente, se entendermos o encontro da liberdade com a infância como o momento no qual não se precisa criar coisa alguma, como um momento de pura esterilidade, nenhuma pressão interior ou exterior para se fazer coisa alguma, para se ser coisa alguma, nenhum projeto, nada para conquistar, nenhum lugar para ir, nenhum movimento a ser feito, nada para ser criado, nada para ser destruído. De saída, percebe-se que se um adulto quer viver assim, logo ele é comparado a um louco. Daí que para se ser adulto, silencia-se a infância e distancia-se da liberdade.
Que tal se fizéssemos um exercício ao contrário: propor um lugar para os adultos tendo a infância como referência. Pensar não para que a criança venha a ser o adulto do futuro, mas para que o adulto possa a vir a ser a criança do amanhã. Partamos do pressuposto que afirmar que as definições da infância criadas pelos adultos se devem ao fato destes se encontrarem inquietos diante do mundo, atormentados pelo mundo, tormento que é fruto do aprendizado dado pelo mundo e tal relação com o mundo seria a causa do amadurecimento tão associada à figura do adulto - o adulto é alguém maduro. Se assim é, por que não, tal qual uma criança, abrir espaço para a imaturidade em um mundo de não formação? Por que ao invés de ensinarmos as crianças, não fazemos com que os adultos desaprendam?
É uma violência pensarmos a infância como vinculada a um progresso, como algo que passará e nunca mais será recuperado ou que podemos moldá-la para que se torne o adulto que não conseguimos ser. É uma violência projetarmos na infância um futuro inalcançável ou desejar por meio dela a recuperação de um paraíso que o adulto perdeu. Como diz Jorge Larrosa: “a criança não é nem antiga nem moderna, não está nem antes nem depois, mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem genético, nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente inatual, intempestivo...” Que os adultos parem de querer encontrar um lugar para a infância, parem de querer determinar quais são os lugares devidos para a experiência da infância. É triste constatar que a infância só é experimentada como liberdade nos intervalos em que o adulto não está por perto ou quando este morre.


Alexsandro


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08/06/2014

Um ato de covardia a mais ou o círculo vicioso do silêncio





Em grande parte das vezes evitamos expressar opiniões e sentimentos a respeito de muitas coisas, a exemplo de muitas coisinhas miúdas do dia a dia, por supormos, as vezes com razão, que ao fazê-lo causaríamos constrangimentos e desconfortos para nós e/ou para outros. Assim, evitamos expor e guardamos silenciosamente sentimentos e ideias.
Além das nossas ideias e sentimentos há outras ideias e outros sentimentos mais poderosos que os nossos que também fazem um percurso silencioso na sociedade (crenças, valores, formas de ser e viver e noções a respeito de vários temas).
O curioso é perceber que quando algumas dessas ideias ou sentimentos vazam para fora do silêncio surge no ar uma sensação de alívio ao se perceber que não se foi o único a pensar ou sentir daquela forma.
Momentos assim também revela nosso medo, nossa condescendência, nossa falta de vontade em querer se comprometer com posturas que fariam nosso ambiente social ser abalado, positiva ou negativamente, afinal, nunca sabemos antes do ocorrido. E como não sabemos preferimos lidar com a dúvida em silêncio, negamos o debate, o dialogo, a discussão, acreditando que assim nosso barquinho não precisará enfrentar nenhuma tempestade.

Sim, somos falsos, mentirosos, preguiçosos, covardes, negamos que nossa compreensão das coisas se faça expostas e ouvidas e discutidas. Acreditamos em nossas próprias mentiras (ou fazemos de conta) e nas mentiras dos outros (ou fazemos de conta). Nossa imaginação é prodigiosa em criar desculpas para nós manter quietos quando queremos ficar quietos (e quase sempre desejamos ficar quietos).




Alexsandro



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O sofrimento masculino



Vivemos um momento no qual muitos dos papeis que foram investidos de um caráter totalmente másculo já não respondem mais as novas exigências que se fazem presentes. Se por um lado existe uma imensidão de possibilidades de ser e de viver há, por outro, uma espécie de sufocamento diante das dúvidas sobre qual identidade escolher, e como a por movimento. Ser apenas mais um macho no meio de outros machos correndo atrás de dinheiro, mulher e poder já não é suficiente. Os homens vivem uma série de dilemas, medos e o que é mais terrível, não podem transformar esses dilemas e medos em palavras, não podem confessar que não sabem o que fazer nem que direção seguir. E assim um problema terrível é tratado como um probleminha qualquer – e o homem de hoje não encontra apoio para se tornar um homem melhor.
Sim, os homens estão sofrendo. E por que os homens estão sofrendo? Pode-se sofrer por vários motivos, mas há alguns motivos que são mais recorrentes que outros quando falamos de sofrimento masculino. Não se trata de descrever aqui sofrimentos advindos de acidentes ou de doenças, da falta de trabalho ou de mulher. Sofre-se, sobretudo, por não se poder ser o homem que se deseja ser. Sofre-se por não ter a quem recorrer quando se quer desabafar sobre o desconforto que é não poder ou não saber ser um homem pronto para o tempo e a realidade que se apresenta para ele.
De um lado vemos os homens e do outro os papeis que eles têm de viver. Os dois lados já não fazem conexão. Pois o que temos é: de um lado os homens e do outro um conjunto de papeis destinados a esses homens que já não fazem o mesmo sentido que faziam antes. É desse dilema que nasce a questão: quais os papeis que cabem hoje aos homens viverem e como estes papeis devem ser vividos?
A velha formula básica de dinheiro, trabalho e mulher já não preenche tão bem e completamente como um dia pôde ter feito, dando a este homem a segurança e a coragem necessária para encarar a vida e seus dilemas. Afinal, a vida era breve e os dilemas eram poucos (para a grande maioria dos homens se resumia a escolha da mulher que cuidaria da casa e de como prover a família). Os antigos hábitos que denotavam masculinidade se encontram diante de uma realidade cujos papeis que vivenciavam esses hábitos já não possuem as antigas justificativas que legitimavam suas formas de ser. É certo que os velhos modelos de masculinidade ainda podem ser vistos ou citados como boas referências em vários lugares (filmes, revistas, novelas, programas, assim como nas falas de pregadores de vários âmbitos), mas não esconde o fato destes modelos estarem deslocados no tempo e espaço.
O resultado é que hoje os homens são uma represa inconfessável de sentimentos barrados e nada ou muito pouco de afetuosidade.
Não é de estranhar que a solidão masculina é tão pouco vista e falada. Muito pouco ou nada se fala sobre como e os motivos pelos quais os homens se encontram sozinhos. Os homens são seres em solidão e em silêncio. Haja vista o fato dos homens não se envolverem emocionalmente com os problemas de outros homens, uma vez que há uma regra silenciosa do universo masculino no qual nenhum homem deve recorrer a outro homem para mostrar fragilidade. Daí que para os homens as emoções não podem ser transformadas em palavras, a não ser que saia na forma de agressão ou queixa bruta, nunca na forma de desamparo, fragilidade ou dor. O resultado é que pouco se fala, sobretudo seriamente, dos dilemas atuais dos homens. A ideia geral é: se tem dinheiro no bolso, se pega mulher e toma cerveja, não tem do que reclamar. E assim vemos andando pelas ruas homens e mais homens que não se apresentam como portadores de uma postura mais afirmativa diante da vida e dos outros. Homens anoréxicos de sentimentos e sensação que se empanturram de sons altos, de energéticos e vodcas que são regurgitados com refrãos de músicas que espelham o espírito de uma época de homens cujos corpos e almas estão frágeis e infelizes.






P.S.: Em todas as épocas homens e mulheres sofreram. O que muda são os motivos que levam ao sofrimento. A nossa época nos faz sofrer por motivos que são advindos da nossa forma de viver, especifica da nossa época, por conta disso é para estes problemas que devemos encontrar respostas, são sobre eles que devemos discutir.


Alexsandro



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17/05/2014

Notas

 O hábito mata até o "querer". É por isso que o hábito torna o "querer mudar" impossível de ser percebido, perseguido, logo, vivido.
  
Só quem tem certeza absoluta de alguma coisa são os psicóticos.

Sabe como é que muitos encontram a felicidade? Fazem sumir com os indesejados da frente de seus olhos.
Não enxergar, não ouvir, não buscar entender e compreender e não se aproximar ou se comprometer ainda é o melhor caminho para ser feliz (ou o único).
  
Os normalopatas dizem: o mundo tá mal, mas eu estou bem.
  
A solidão narcísica provavelmente vem acompanhada de depressão. As duais coisas possivelmente andam juntas e o fenômeno poder ser entendido como algo mais ou menos assim: alguém que acredita que ser entendido pelos outros é algo possível e que isso é a coisa mais importante do mundo, somado ao fato dela se achar tão importante e complexa que o mundo não lhe entender.
  

Entre a estabilidade amorosa e o erotismo há um abismo enorme.


Alexsandro

Sobre salários e famílias



Muitas pessoas não suportam o enfado de uma vida subjugada por um emprego ou por uma família. Uma vida medida e mediada de salário a salário. Infelizmente a maioria das pessoas que vivem de salário em salário acham que estão fazendo o melhor que podem e o melhor por si, julgando aqueles que se recusam a viver assim com adjetivos escusos.
A família é mantida, em grande medida, para que todo mundo dentro dela desabafe suas frustrações** Sobretudo aquelas frustrações de uma vida de trabalho e salário que apenas mantém a sobrevivência, sem nenhuma realização que potencialize a vida ou direcione para um campo de possibilidades mais criativo. Não é a toa que ela seja um lugar tão cheio de agressividades. Como não se pode brigar fora de casa, pois a maioria não tem força suficiente para isso, usa-se como alvo os “amados” parentes.

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** Que outro lugar legitimado pela sociedade haveria para desabafar as frustrações? Além da família só resta o consultório psiquiátrico.



Alexsansro

11/05/2014

Politização dos corpos


Deveríamos nos perguntar o motivo pelo qual se fala e se comenta tanto sobre sexo numa sociedade cuja quantidade de problemas (políticos, econômicos, sociais, educacionais, religiosos, esportivos, etc.) ultrapassa a nossa capacidade de administra-los. Sim, hoje falar de sexo desvia nossa atenção de tudo aquilo que é importante na nossa vida, até mesmo o próprio sexo, pois não falamos dele como forma de expressão criativa de nosso desejo, falamos dele de forma vulgar e mesquinha, diminuída e pobre, tal qual a forma como ele é praticado pela imensa maioria das pessoas. 
Aldous Huxley intuiu algo que pode ser resumido no seguinte trecho do seu livro  Admirável Mundo Novo: 
"Tal é a finalidade de todo condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social a que não podem escapar". [...] "À medida que diminui a liberdade política e econômica, a liberdade sexual tende a aumentar em compensação". Assim, jogos eróticos são estimulados desde a infância [...].
Muito já foi discutido sobre o livro e sobre o tema, mas muito ainda há para ser discutido, basta pensarmos em temas como: sexualização da infância, sexualização das mercadorias, sexualização das doenças, etc.
Traduzindo: ao invés de nos preocuparmos com a política da vida da nossa sociedade, uma preocupação que deveria ser compartilhada por todos, afinal, nossas vidas, seja no espaço privado ou público, são expressões políticas de ser e de viver e, da mesma forma, ao invés de politizarmos e estetizarmos nossas práticas sexuais, tornando-as mais ricas e menos preconceituosas, assistimos ao que Huxley intuiu: a armação de um jogo no qual desviamos toda nossa atenção para mesquinharias corporais que, como idiotas, chamamos de “nossas práticas sexuais”, achando que elas tem a ver com erotismo, quando, na verdade, não passam de pobres expressões de um corpo colonizado por uma biopolítica do desejo que toma todas as suas forças para torná-lo, sobretudo, um corpo produtor no sistema econômico, enquanto o faz acreditar que sua satisfação se encontra em plena realização. Um corpo que não expressa uma política do desejo para além do que é submetido é um corpo sendo mortificado. 


Alexsandro

28/04/2014

Simples, muitos simples

Somos apenas operários na fábrica. E o patrão não liga se morremos ou vivemos, pois há muitos outros para trabalhar para ele.

19/04/2014

O doce sabor do não entender





Vamos fazer um exercício de pensamento... A presença de deuses na história humana deriva de vários fatores, mas dois dos elementos principais para criação de deuses foram e são o medo e a necessidade de sentido para vida (viver para o nada parece estranho), mesmo que este sentido contenha alguma forma de dominação, ou seja, me submeto a algo, mas ganho um sentido para viver. Vamos pensar, por exemplo, o deus judaico-cristão. Quando analisamos seus atributos - Onipotência, Onipresença e Onisciência - percebemos que eles amarram os principais elementos da vida humana, ou seja, eles dão respostas e suportes para o medo e o sentido para vida pois trabalham com uma fórmula perfeito, qual seja, consegue unir poder e saber em uma só criatura – o poder para resolver o problema da morte e o saber que conteria as respostas para o sentido da vida.
Por sua vez pensar a Humanidade através da Evolução deixa para nós o problema de resolver o medo e o sentido da vida.
Nós somos natureza, a natureza se encontra em nós. Fazemos parte dela e ela de todos nós. Assim se move em nós o desejo de nunca se desligar dela. Queremos com ela estar conectados o tempo todo. Só que isso exige muito empenho de todos nós, exige uma potencia de criação tremenda, demanda todo nosso tempo. Viver passa a significar estar vivo e ter de inventar tudo para que a vida ganhe significado, sabendo que qualquer que seja o significado ele será artificial, ficcional e sem justificativa transcendental, sobrando apenas o desejo de querer permanecer na natureza e realizar-se nela e por ela em um exercício de potenciação de si e empoderamento de si constante. Logo, pensar a Humanidade através da Evolução tem muito mais heroísmo humano do que pensá-la por via da Criação. Talvez até mesmo seja por isso que não se deseja que as pessoas conheçam essa história. Pois é bem possível que quanto mais as pessoas tiverem conhecimento de quanto somos capazes de feitos incríveis, talvez mais elas desejem se libertar de seus opressores. (Aqui entra em questão a relação opressor X oprimido que não é uma relação fácil de ser entendida - qualquer um pode fazer parte tanto de um grupo quanto do outro, sem contar o fato de que a opressão pode ser desejada -e sempre é - e se encontrar camuflada nos discursos que, em aparência, são libertadores.)
Para aqueles que foram, que estão e que serão oprimidos (e todos nós corremos o risco) vale ter em mente como é o doce sabor da estupidez do não entender, como bem disse Clarice Lispector:

E era bom. 'Não entender' era tão vasto que ultrapassava qualquer entender - entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levara ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.
Alexsandro


14/04/2014

Simples assim (2)

Procure argumentos para justificar seu ponto de vista.

Dizer simplesmente que acredita e pronto não justifica nada.

Colocar as próprias crenças acima de tudo e de todos é sinal pretensão. Assim como exigir que os outros não critiquem as nossas crenças não é o mesmo que exigir respeito, é apenas o desejo de fazer os outros aceitarem sem questionar.

Se sua forma de pensar pode ser refutada é um erro continuar pensando da mesma forma ou, mais do que isso, pode ser burrice.

A sua integridade deve ser maior que sua frustração, ou seja, se seu pensamento foi refutado de nada vale desejar fazer com que ele faça sentido à força.

As evidências são fundamentais para pensar a respeito de algo.


Alexsandro

Simples assim

Cada pessoa pensa como pode e interpreta como merece.


Alexsandro

13/04/2014

O abuso e o excesso de obediência

Nossas interpretações e críticas são sempre construídas a partir de quem manda. É desta forma, por exemplo, que se fala muito contra o Estado e sua forma de governo sobre nós, contra os diversos tipos de lideres que se encontra em empresas, igrejas, escolas, etc.. As criticas são sempre construídas tendo como referência principal quem manda. ¿E se invertêssemos a lógica e afirmássemos que o problema não é abuso ou excesso de poder, mas o abuso e o excesso de obediência? ¿Será que parte dos nossos problemas em ajustar melhor a vida em sociedade não se encontra na nossa excessiva obediência a qualquer forma externa de governo sobre nós?

¿A desresponsabilização de si diante da vida fica mais fácil quando temos a quem culpar por nossos infortúnios?¿ Parte da nossa aceitação em se deixar governar e, como consequência, nossa excessiva obediência, adviria do pensamento de que a obediência a outro tira de quem obedece as responsabilidades? A ideia é bem simples: obedecer para ter a quem culpar quando algo sair errado, desta forma a culpa será de quem deu a ordem e não de quem obedeceu. ¿Essa não seria uma forma covarde de viver?


Alexsandro

11/04/2014

O conceito de “outro”

¿Quem ou o que é o “outro”? A resposta adequada a esta pergunta tem como condição saber de antemão quem pergunta ou a quem se vai responder. O motivo é que o “outro” é múltiplo. O que denota que o “eu” que pergunta também é múltiplo.
Para o “eu” o “outro” pode se apresentar sob a pele de inúmeros modos de ser. Logo, toda vez que um “eu” define um “outro” o próprio “eu” é (re)definido. Vejamos alguns exemplos de como para o “eu” o “outro” pode se apresentar de diversas formas:
            - Na forma animal – sendo o outro um Primata;
            - Na forma cibernética – sendo o outro um ciborgue;
            - Na forma etária – sendo o outro um velho, uma criança;
            - Na forma étnica – sendo o outro um índio, um aborígene, um galego;
            - Na forma estratificada – sendo o outro um miserável, um desocupado, um andarilho;
            - Na forma estética – sendo o outro um alto, gordo, esquelético, baixo, albino;
            - Na forma sexual – sendo o outro um homossexual, assexuado, transexual;
            - Na forma política – sendo o outro um estrangeiro, um refugiado, um expatriado.


Em termos teóricos, partimos do conceito de territorialização definido por Guattari e Deleuze, que, entre outros aspectos, entende a noção de território como produto de um processo de subjetivação, fruto de “dobras”, dos agenciamentos dos fluxos, dos movimentos de imagem, de som, de palavras, de matérias, de sentimentos que caíram nas malhas de um poder. Neste sentido, podemos entender a noção de “eu” e de “outro” como um agenciamento, como um dispositivo de poder.
Tanto é que percebemos o “eu” e o “outro” como categorias fixas, estabelecidas em seus devidos territórios desde sempre lá, estabelecidas claramente em suas fronteiras cristalizadas, endurecidas. Nunca vemos o “eu” e o “outro” como possibilidades em movimento, nunca definidos e indefiníveis.
O conceito de “eu” e de “outro” estabelecem um dentro e um fora. E por entre suas fronteiras circulam potências e sentidos. Por conta disto, ao tratar de fronteira entre o “eu” e o “outro”, tentamos percebê-la como um espaço de negociação, de lutas, como uma ‘linha’ sempre em construção, como um espaço de circulação de alteridades e de afetos’
O “outro” e o “eu” são multiplicados pelos entreolhares de um sobre o outro. Se o “eu” por si já é um múltiplo de si e o “outro” também é um múltiplo de si, de um lado a outro múltiplas serão as formas pelas quais serão afetados, pelas quais um afetará o outro. Tanto é que no contato do “eu” com o “outro”, sentidos se perdem, deixa de ser, somem, e no reverso, sentidos vêm, se acham, passam a ser, aparecem. No entrelaçar da alteridade os antigos ambientes afetivos se tornam ultrapassados para expressão de novos afetos - movimentos de transformações que se fazem pela e na destruição e no evaporar de certos mundos, de certas configurações culturais, de certas relações sociais, de certos sentidos e de certas fronteiras.

Só um cartógrafo dos afetos para traçar as linhas desta fronteira que o contato do “eu” com o “outro” delineia e que o movimento dos fluxos de alteridade fazem nascer. 




Alexsandro

08/04/2014

As Folhas Tristes


É bem sabido que o dinheiro é um dos temas centrais da economia. Assim como o fato de que a quantidade de dinheiro numa dada economia implica diretamente numa série imensa de fenômenos. Mas não sei se algum economista foi tão claro e sensível a ponto de defini-lo como fez o povo Kayapó.

"Piu Katin" é como o povo Kayapó chama o dinheiro. E significa "Folha Triste". Confesso que foi a definição mais angustiante que já tomei contato quando se trata do tema dinheiro, tamanha sua delicadeza ao definir aquilo que no mundo capitalista (que é o nosso) é percebido por nós como o centro da nossa experiência, afinal, trocamos a vida por dinheiro, ou, segundo os Kayapós, por folhas tristes.


Alexsandro

06/04/2014

Autoestima X estima recíproca

Autoestima é fruto de um discurso individualista de mercado que parte da ideia de autossuficiência. A autoestima se assenta sobre o cascalho da noção moderna de “Eu” para construir seu pavimento. Um “Eu” determinado (pelo mercado) e determinante (agindo sobre o si mesmo), sem abertura e fechado para alteridade, orgulhoso filho da ignorância do outro. Autoestima é produto, é mercadoria, por isso se fala tanto nela, porque autoestima vende, dá lucro e nos mantém aliados do status quo.
Quase ninguém fala de estima recíproca, esta antítese da autoestima.
Estima recíproca – estimar o outro e ser estimado por ele. Constituí-lo e ser constituído por ele. Habitá-lo e ser habitado por ele. Com ele criar laços, inventar formas de relação, compreender os gestos dos afetos (à moda de Espinosa). Reconhecer que precisamos do outro e que com ele compartilhamos a vida. Estimar e ser estimado pelo outro, lembrando sempre que a autoestima não é suficiente para suportar a vida.


Alexsandro

Dá muito trabalho ser feliz


É muito esforço, pelo que percebo ser feliz dá muito trabalho, sai caro e exige muito empenho e dedicação. Entre tantas outras coisas, tem que ter dinheiro, tem que morar numa bela casa, tem que ter um animal de estimação e levá-lo no pet shop toda semana, comprar ração, sair para passear, ver o bicho defecar e fazer xixi.
Depois tem que ter carro, mas não basta ter carro, tem de trocar de carro todo ano (e o trabalho que dá lidar com toda documentação do carro novo).
Também não basta ser saudável, tem que ficar magro, gostoso, atleta olímpico de ponta. Precisa frequentar uma academia. Ir ao cabeleireiro toda semana, fazer as unhas, limpeza de pele. Sem contar as idas às clinicas de estéticas e todos aqueles tratamentos contra celulite, gordura localizada. Aparelho nos dentes é fundamental para ser feliz. Um silicone aqui e ali também não pode faltar. Um guarda roupa completíssimo, afinal ninguém é feliz repetindo roupas.
Tem que entrar numa faculdade (e não vale qualquer faculdade).Tem que ser bom nos estudos, afinal ninguém poder ser feliz se for considerado o idiota da sala ou se não tiver coisas inteligentes para falar.
Na vida profissional tem que fazer sucesso, não basta estar empregado, tem conseguir um bom emprego. Tem que ser o tal: ter cartão de visita, ir a jantares em restaurantes chiques e hotéis cinco estrelas.
Tem que estabelecer metas e depois tem de realizá-las (processo que exige empenho todos os dias). Tem que se focar nas emoções positivas, nos momentos bons (não sei o que se faz com os momentos ruins quando se vive para ser feliz). Tem que ler livros de autoajuda para aprender a focar naquilo que traz bem-estar e satisfação. Sem falar de todo esforço para conseguir o tal autoconhecimento.
Tem de aprender a tocar um instrumento (afinal ninguém é feliz se não puder animar uma festa, ser o centro das atenções).
É preciso ser assinante de TV por assinatura e ter Internet rápida. Tem que ter um celular de última geração e com ele estar conectado o dia todo: Facebook, Blog, e-mail, WhatsApp, Twitter, etc.
Tem que ter atrativos para atrair outras pessoas para sua casa, principalmente os amiguinhos dos seus filhos: vídeo games, brinquedos “ultramegapowers”, uma geladeira repleta de coisas gostosas, estar disposto para passear no shopping sempre que possível. (De qualquer forma ir ao shopping é fundamental para ser feliz).
Tem que viajar, principalmente para lugares que seus amigos desejam conhecer, pois, desta forma, você faz duas coisas que também são fundamentais para ser feliz, conhecer um lugar novo todo ano e fazer inveja aos infelizes que não podem viajar.
Na vida amorosa... nem vou tocar nesse assunto, basta dizer o quanto me assusta ter de pensar em declarações de amor eterno e  jantares a luz de vela, lingerie nova e depilação sempre em dia. Fazer coraçãozinho com as mãos é demais para mim.
Acho que prefiro ser infeliz, é mais fácil, mais simples, não custa quase nada e eu posso ser eu mesmo (seja lá o que isso signifique, afinal não preciso me preocupar em ser esse tal de “eu mesmo” para ser infeliz). É, ser infeliz dá muito menos trabalho.
P.S.: ¿Como não percebi isso antes? Tudo teria sido bem mais fácil.



Alexsandro

10/03/2014

PARAÍSO E PERFEIÇÃO

O que é perfeito não muda; ou só muda se for para deixar de ser perfeito.
Logo, se existe um paraíso e for perfeito, ele é imutável.*
Aquilo que é imutável, consequentemente, se torna monótono e para a experiência humana** a monotonia poder se tornar uma experiência terrível. 
Logo, se é monótono e é eterno, temos uma monotonia eterna.
E a experiência de uma monotonia eterna para nós humanos é uma contradição se a entendemos como um paraíso, sobretudo pelo fato desta monotonia poder se tornar uma experiência terrível. 
A questão é: como podemos experimentar o paraíso sem que ele se torne uma experiência terrível, o que tiraria dele a definição de paraíso e lhe impingiria a definição de inferno? Talvez a resposta seja não perceber a monotonia. ¿Mas como não perceber a monotonia do paraíso, sua imutabilidade eterna? Pode ser sugerido três possibilidades:
Primeiro: - Existir, perceber a si, mas não perceber o paraíso (existo, estou no paraíso, mas não me percebo estando nele – alienação completa do lugar ou estado de experiência);
Segundo: - Existir, perceber o paraíso, mas não perceber a si; (existo, estou no paraíso, mas não percebo a mim – alienação completa de si mesmo);
Terceiro: - Existir, mas não perceber a si nem o paraíso.

Duas perguntas que valem para as três propostas:
¿Como essas experiências seriam possíveis?
¿Qual o valor de experimentar o paraíso na condição de uma destas possibilidades?


¿Tendo tudo isso em consideração é plausível afirmar que uma experiência de paraíso só nos é possível numa não experiência do paraíso, enfim, se não existirmos? ¿O paraíso é para nós a não existência dele e nossa?


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* ¿Se não for perfeito pode ser considerado paraíso?

** Pode ser questionada a noção de “experiência humana”, no sentido de se afirmar que o paraíso não seria experimentado a partir da perspectiva ou percepção meramente humana (com tudo que isso possa significar). Aqui caímos no ponto "Segundo" sobre como é possível experimentar o paraíso, que indica que existo, mas já não me percebo como tal ou como antes [Existir, perceber o paraíso, mas não perceber a si; (existo, estou no paraíso, mas não percebo a mim – alienação completa de si mesmo)].