27/09/2012

O inferno e o paraíso


A coisa mais difícil para todos nós é admitir-se como alguém que contribui para manutenção do inferno ou como alguém que é parte integrante dele. Pelo contrário, é mais fácil nos vemos como pessoas que anunciam o paraíso, que contribui para sua manutenção, como sábio que pode guiar a todos para ele.
Entendo o que Sartre quis dizer quando afirmou que “o inferno são os outros”. Mas convenhamos, o paraíso também são os outros, mesmo que não seja fácil estabelecer a diferença entre um tipo de pessoa e outro. ¿O que fazer? Não sei, mas Italo Calvino nos deixou uma luz que pode servir de indicação:

Há duas maneiras de não sofrer. A primeira parece fácil para a maioria das pessoas e consiste em aliar-se ao inferno até não mais senti-lo. A segunda é difícil e exige aprendizado continuo e constante e consiste em saber quem e o quê, no meio do inferno, que não é inferno e preservá-lo e abrir espaço!

Alexsandro

16/09/2012

Três notas sobre perfeição

¿O que é perfeição? ¿Qual forma traz em si a perfeição? ¿Qual cor? ¿Qual textura? ¿Qual tamanho? ¿Qual momento pode ser considerado perfeito? Aquele que acredita poder definir o que é perfeição vai fazer isso de forma arbitrária ou baseado em algum parâmetro pré-estabelecido que enclausura a idéia de perfeição em algum limite de possibilidade às custas de negar outros. Ou não percebeu ainda que a idéia de perfeição que consagramos é algo artificial, muito artificial, e estabelecido por processos socioculturais.
 
 
Toda ideia de perfeição ou imperfeição que faça relação com qualquer aspecto das nossas vidas é fruto de algum programa cultural. A natureza não trabalha com a noção de perfeição. Na natureza as espécies vão se adaptando as situações. Perfeição em um mundo que muda significa imperfeição, morte, extinção.
 
 
Perfeição é crença, não é fato. Quem procura a perfeição tem poucas possibilidades de encontrá-la. Ou seja, a procura pela perfeição nos leva para uma jornada extremamente longa e com pouca ou nenhuma possibilidade de se chegar ao seu final, mas, mesmo assim continuamos alimentando a crença em um mundo perfeito, em uma vida perfeita, em um corpo perfeito, em uma idade perfeita, em uma relação perfeita, em um emprego perfeito, em um lugar perfeito.
 
 
Alexsandro

Pátria e Fronteira. Identidade e estrangeiro

Considerar-se estrangeiro é viver tendo como referência uma pátria. E as páttrias são delimitadas por fronteiras. São em nome das pátrias que se geram os estrangeiros, os párias. E como bem disse Zygmunt Bauman:
A despeito do que dizem os guardas de fronteira, as fronteiras que eles protegem não foram traçadas para defender a singularidade das identidades já existentes... o oposto é a regra: as identidades 'comunitárias' ostensivamente são subprodutos ou conseqüências do infindável (e por essa razão tanto mais febril e feroz) processo de estabelecimento de fronteiras.
 
Alexsandro 

Crenças




Alimentamos falsas crenças quanto ao nosso modo de vida, muitas delas ainda derivadas de um nada sutil etnocentrismo. Acreditamos que vivemos no melhor modo de vida já inventado, que precisamos apenas encontrar o melhor jeito de dela tirar proveito. Isso é crença, não é fato. Somos fervorosos fiéis de nossas crenças culturais, fazemos delas verdades universais. Como acontece em muitas crenças, nossas crenças culturais têm seus seguidores fundamentalistas. Algumas pessoas se apegam tanto a elas que qualquer um que as critique será tido como herege. Em um ambiente assim, alguém que consegue imaginar outros ambientes culturais como ambientes possíveis e até mesmo como ambientes mais viáveis se comparados ao nosso será visto como louco, como alguém sem senso de realidade.
Vemos-nos presos a cenários pré-fabricados, embalados a vácuo e vendidos em cômodas prestações. Trocamos nossa capacidade de criar vida pelo ritual diária de seguir crenças que nos fazem simular que estamos vivendo. Ao invés de uma vida abundante de criatividade seguimos uma imensa procissão de passos cadenciados. ¿Não sei, mas a capacidade de imaginar outros cenários possíveis não deveria ser parte integrante de nossa vida?
 
 
Alexsandro

06/09/2012

Pereça a pátria e salve-se a humanidade

É estranho pensar que o fato de sermos todos humanos não é suficiente para determinar nossas interações. A expressão “somos todos humanos” perde parte do seu potencial quando pensamos a noção de patriotismo e como esta limita nossas possibilidades. Aos nos tornarmos patriotas deixamos de ser parte da humanidade e passamos a fazer parte de um pequeno grupo de humanos ligados a uma pátria, um estado. Deixamos de ser humano e viramos brasileiro, argentino, paraguaio, peruano, boliviano... E pensar que o contorno de nossos mapas não são naturais. Foram recortados a partir de batalhas, muitas delas sangrentas.
O patriotismo é tema delicado e precisa ser debatido. Ele envolve desde a idolatria a símbolos nacionais, paixão cega àquilo que é regional, preconceito quanto ao outro que não é nacional e, principalmente, um complexo jogo de poder. Aqueles que vivem nas fronteiras dos países vivenciam isso de forma muito clara: o cruzar de uma linha, de uma ponte te coloca em outra cultura, outra legislação e outros valores, faz de cada um não um homem ou uma mulher com outros homens e mulheres, mas um estrangeiro entre estranhos.
Não foram poucos os que tiveram a sensibilidade de sentir o quanto a noção de patriotismo mais divide do que une.


Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda detestável idiotice que é chamada de patriotismo – eu odeio tudo isso de coração.
Albert Einstein
Um homem que se respeite não tem pátria. Uma pátria é um visco.
Emil Cioran
Pereça a pátria e salve-se a humanidade.
Pierre Proudhon
Considero-me estrangeiro em qualquer país, alheio,a qualquer raça. Pois a terra é minha pátria e a humanidade toda é meu povo.
Khalil Gibran
Liciane

Os escravos modernos




Acordam todos os dias na mesma hora. Trabalham duro durante horas seguidas, seguindo um conjunto de normas e afazeres predeterminado por outros. São extorquidos física e moralmente. Obedecem ao poder público, representado, em sua maioria, por uma corja de corruptos. Enriquecem os cofres de empresários filhos da puta. Chegam ao fim do mês com pouco ou sem dinheiro algum. Vivem endividados. Com dividas que seguem acumulando. Suas algemas são as notas promissórias, o cartão de crédito, o parcelamento, o financiamento... Nem todos tem casa ou comida garantida. Não levam chibatadas, mas sofrem outras formas de castigos corporais.


Alexsandro

02/09/2012

São eles que morrem, e não eu


O jornalismo de consumo faz do sensacionalismo seu modo de expressão. Dele nada escapa. Nada deixa de parecer “sensacional”: do bonito ao horrível, do legal ao ilegal, da merda do cachorro ao bolo de aniversário da vovó. Faz da banalidade um artigo metafísico. Faz da vergonha alheia o escândalo da moral. Ética é apenas uma abstração onírica. Priorizando o consumo, não a informação, mergulha numa sanha de atenção que não poupa nada, nem ninguém. Seu efeito no cotidiano é sentido na transformação do trágico em refresco de groselha: vemos o trágico, mas ele não nos afeta, não o sentimos, não pensamos sobre ele.

A presença no sensacionalismo, do horrível, do ilícito, do destino e da morte na vida quotidiana, é atenuada pelo modo de consumo jornalístico; o sensacionalismo é consumado, não segundo o rito cerimonial da tragédia, mas à mesa, no metrô, com café com leite. Os mortos das notícias sensacionalistas ainda que bem reais, enquanto os mortos de teatro são simulados, estão afinal mais longe do leitor do que os mortos shakespearianos o estão do espectador. As vítimas do sensacionalismo como da tragédia são projetivas, isto é, são ofertadas em sacrifício à infelicidade e à morte. A catarse é como que digerida no quotidiano, isto quer dizer que o grande tema de sacrifício “eles morrem em meu lugar”, se atenua num “são eles que morrem, e não eu". (Edgar Morin)


Alexsandro

01/09/2012

Coisas estranhas


É estranho como o pragmatismo embaralha nossos dias. Consumimo-nos no consumo. Consumimos como feras selvagens. Consumimos como forma de encontrar a salvação em uma forma de vida que apenas nos consome como objetos tarifados numa feira de objetos usados.
É estranho vivermos um tempo no qual uma espantosa quantidade de informações nos invade sem que tenhamos tempo de averiguar como elas nos afetarão.
É estranho ver pessoas que ainda acreditam que vão encontrar boas respostas em manuais de autoajuda falidos há muito tempo.
É ainda mais estranho perceber como muitos transformam livros sagrados, como o Mahabharata, Bíblia, Bagavadguitá, Alcorão, Torá, Codificação Espírita de Allan Kardec, Zend Avesta, Kitáb-i-Aqdas e tantos outros, em manuais de autoajuda.


Alexsandro