26/11/2010

A montagem do território é correlata à montagem da fronteira


De início é válido esclarecer que a noção de território aqui trabalhada tem na definição construída por Guattari a referência primeira:

“a noção de território é entendida aqui num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que dela fazem a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que o delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quando a um sistema percebido no seio de qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos.

A noção de território demandaria o estabelecimento de recortes. A linha do recorte estabelecerá uma fronteira que definirá um dentro e um fora. Tudo aquilo que é usado para definir o ‘dentro’, o espírito do ‘de dentro’, será usado para assegurar a permanência do ‘fora’. A fronteira estabelecida legitima a unificação política de um território. Um território definido e definidor: um território que passa a afetar e que circunscreve o estabelecimento de alteridades: afetividade territorializada estabelecendo padrões de sensações e sentimentos que devem ser vividos e experimentados; território definindo alteridades a partir das noções ‘dentro’ e ‘fora’.
Mas como nasce um território? Do e no emaranhado dos artifícios que dão forma ao seu discurso. Lembrando que o discurso que faz nascer um território é meta-histórico na medida em que faz uso de significações teleológicas que partem de um passado redentor para um futuro promissor. O território e a fronteira não possuem essência. A configuração que assumem é artificial. No movimento de territorialização, que pode ser de identificação ou de conceituação, tudo no entorno, tudo com que entra em contato será afetado.
Há os movimentos. Um território nasce dos movimentos. Movimentos de transformação. Eles são inevitáveis. Embora muito se lute para represá-los ou reprimi-los. Os movimentos de transformação se fazem pela e na destruição, na demolição, no desfazer, no diluir, no evaporar de certos mundos, de certas configurações culturais, de certas relações sociais, de certos sentidos. Sentidos que se vão, que se perdem, que deixam de ser, que somem, e no reverso, sentidos que vêm, se acham, que passam a ser, que aparecem. Um ambiente que se tornou ultrapassado para expressão de afetos. Afetos que requerem novos traçados, novos territórios. São afetos ganhando vida, assumindo a vida, dando vida. E no trajeto que segue, estratégias vão sendo requeridas, fronteiras vão sendo estabelecidas.
O estabelecimento de um território acontece tentando eliminar a alteridade. Como em um ato fágico, devorar para integrar. E para aqueles que não se territorializaram, a ação êmica, vomitar para expulsar. Questionar a fronteira é correr risco - o risco do estigma, da exclusão, de ser considerado não pertencente ao território.
Vale lembrar que tal sentimento de pertencimento não é algo inerente aos indivíduos, esta noção delineia-se a partir do processo de socialização, do processo de descoberta do ambiente cultural no qual o individuo se encontra inserido. Entretanto, não há garantias de que tal sentimento venha a ser vivido com toda fidelidade. Para que tal fidelidade venha se estabelecer todo um processo de (des)construção da imagem de si e, sobretudo, da imagem do outro, deve acontecer. Os comportamentos morais e afetivos definem e caracterizam o afeto dos sujeitos ao território. O problemático aqui é quando se começa a considerar como únicos possíveis os pontos de vista imediatos ligados a sua situação e as suas atividades próprias. Cria-se um estado de espírito no qual o sujeito pode deixa de compreender sua própria situação a partir do momento em que ele só compreende o território e a fronteira na perspectiva ‘do dentro’. Tanto elementos afetivos quantos intelectuais estão em jogo. O estabelecimento da fronteira pode significar o estabelecimento de um limite entre a percepção de si (o de dentro) e a percepção do outro (o de fora). Tal limite se encontra na percepção do outro, mais especificamente na ignorância, no desconhecimento do que o outro de fato representa e da importância do outro enquanto outro. Uma percepção auto-referencial que vai à direção de uma atitude de superioridade frente a outras sociedades e culturas a partir de uma imagem do outro, pejorativa e falsa.
A desqualificação do outro alimenta as mais diversas formas de preconceitos, racismos, fanatismos e xenofobias. O que alimenta tais atitudes é, sem dúvida, a incapacidade de compreender a complexa trama de elementos que envolvem a construção da alteridade, do seu conteúdo e do seu funcionamento. Havendo, por conseguinte, uma redução dos seus elementos componentes dentro de uma elaboração de visão de mundo extremamente centrada em um conteúdo moral. A incapacidade de compreender e de conceber a alteridade como uma invenção, como uma construção, pode levar a geração de um conteúdo moral que busca evitar qualquer esforço reflexivo, qualquer analise sobre as implicações de se viver sob um regime de fronteira. Esse conteúdo moral pode chegar às raias da crueldade, da brutalidade, do totalitarismo e do fascismo. Tal conteúdo moral quase sempre desqualifica os esforços do pensamento criterioso e analítico. Assim, a incapacidade de autocrítica, somada a condenação de qualquer tipo de crítica, fazem da fronteira um espaço de atitudes arrogantes, fundado em idéias preconcebidas, de circulação de discursos arbitrários, caprichosos e injustos.
Alexsandro

REBELDIA



Bob Cuspe
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A rebeldia esteve presente desde o inicio da civilização e estará até seu fim.


Polar

25/11/2010

SOBRE A MEDIOCRIDADE E A REVOLTA

Um dos nossos problemas, assim me parece — é a questão da mediocridade. Não estou empregando esta palavra em sentido condenatório, mas é fato óbvio que a grande maioria de nós é medíocre. Poderá alguma técnica, religiosa ou mecânica, libertar-nos dessa mediocridade? Ou não deve, antes, haver uma revolta contra toda técnica?...
Nossa mentalidade é o resultado das influências; ela está condicionada por influências. E condicionados que estamos e sujeitos a influências várias, dizemos: “Escolherei uma determinada influência, um guru, escolherei o que é bom, o que é nobre; e cultivarei por meio de vários exercícios, de vários métodos, tal excelência”. Todavia, não obstante isso, nossa mente continua a ser uma mente influenciada, controlada, moldada, mente que luta para alcançar um fim predeterminado; e essa mente jamais pode achar-se em revolta, pode? Pois, no mesmo instante em que se revolta, essa mente se vê num estado de caos. A mente medíocre, pois, nunca pode estar revoltada, sendo capaz unicamente de passar de um estado condicionado para outro, de uma influência para outra.
Não deveria a mente estar sempre revoltada, para compreender as influências que a assaltam incessantemente, interferindo, controlando, moldando? Um dos fatores da mente medíocre não é o medo constante que a domina e, também, o estado de confusão em que se acha, em virtude do qual ela deseja ordem, consistência, deseja uma fórmula, um modelo pelo qual possa ser guiada, controlada; e, entretanto essas fórmulas, essas várias influências geram contradições no individuo, geram confusão no indivíduo. Estás condicionado como hinduísta ou como muçulmano; outro está condicionado pela idéia de “ser nobre” ou por idéias econômicas ou religiosas. Qualquer escolha entre diferentes influências denota sempre um estado de mediocridade. A mente que escolhe entre duas influências e começa a viver em conformidade com a influência preferida, continua a ser medíocre, não é verdade? Pois essa mente nunca se acha num estado de revolta, e a revolta é essencial para que se possa descobrir algo.



Jiddu Krishnamurti









20/11/2010

Casal Alfa

Macho Alfa

O macho alfa é líder de grupo. Não deixa sua autoridade ser comparada, nem questionada. Sua auto-estima não precisa mais da aprovação de outros para se manter. A sua autoconfiança é sua autoconfiança, faz o possível para mantê-la - nem sempre consegue, mas o que já conseguiu não perde. Não é emocionalmente dependente, faz o possível para não ser isso, pois é o sinal de chateação, pieguices e fraqueza. Não olha o mundo com ingenuidade. Estabelece seu próprio ritmo de vida, deliberando sobre cada ação. A melhor companhia para um macho alfa é uma fêmea alfa, é a única que se encontra a sua altura.


Fêmea Alfa

Fêmea Alfa é líder de grupo. A fêmea alfa não considera a clássica tríade de qualidades - beleza, amabilidade, prontidão em servir – ao contrário ela não se constrange ao quebrar esse ou qualquer outro estereótipo, faz de tudo para não se ligar a outras mulheres subservientes. Sem medo, choca, prova ser capaz, e quanto menos ajuda masculina, melhor. É inteligente, doma a vida, se cuida. Não admite fraqueza, dispensa quem não consegue acompanhá-la. Não cede, intimida pelo olhar. Tem gostos difíceis, não cede fácil. A melhor companhia para uma fêmea alfa é um macho alfa, é o único que se encontra a sua altura.


Casal Alfa

Os Alfas andam em dupla: macho e fêmea. O casal alfa tem maior liberdade social - fazem e não estão nem ai para o que pensam deles. O casal alfa faz o que quer - bancam satisfazer suas vontades, assumem suas escolhas, pagam todos os preços. Tem maior controle sobre os recursos, ou seja, se viram, dão um jeito, sobrevivem, se mantém. Conseguem se adaptar ao ambiente e transformá-lo a seu favor. Os alfas se sustentam. O casal alfa não é submisso a nenhum outro membro do grupo. O relacionamento tem grandes chances de dar certo se cada um se mantiver em seus papéis: um de macho e a outra de fêmea.



Alexsandro

A consciência da infelicidade

Elementos e atos, tudo concorre para ferir-te. Armar-se de desdéns, isolar-se em uma fortaleza de nojo, sonhar com indiferenças sobre-humanas? Os ecos do tempo te perseguiriam em tuas últimas ausências... Quando nada pode impedir-te de sangrar, as próprias idéias tingem-se de vermelho ou invadem-se umas às outras como tumores. Não há nas farmácias nada específico contra a existência; só pequenos remédios para os fanfarrões. Mas onde está o antídoto do desespero claro, infinitamente articulado, orgulhoso e seguro? Todos os seres são desgraçados; mas, quantos o sabem? A consciência da infelicidade é uma doença grave demais para figurar em uma aritmética das agonias ou nos registros do Incurável. Ela rebaixa o prestígio do inferno e converte os matadouros do tempo em paraísos. Que pecado cometeste para nascer, que crime para existir? Tua dor, como teu destino, não tem motivo. Sofrer verdadeiramente é aceitar a invasão dos males sem a desculpa da causalidade, como um favor da natureza demente, como um milagre negativo...
Na frase do Tempo os homens se inserem como vírgulas, enquanto que, para detê-la, tu te imobilizaste como um ponto.


Emile Cioran

19/11/2010

O que motiva a escolha de uma prática religiosa?

O que levaria, por exemplo, alguém escolher uma prática religiosa como o pentecostalismo? Muitos estudiosos responderam a tal questão tendo em mente que a busca por tais grupos acontecia, sobretudo, por motivos que traziam em suas variáveis a ênfase na formação de redes sociais, onde a troca de bens e serviços fluía entre os membros da congregação. A afiliação a uma igreja possibilitaria as pessoas criarem laços de relações, contatos intergrupais (e até extragrupais) na medida em que existiriam elos que as ligariam conjuntamente. Desta forma os mais predispostos para conversão seriam justamente aqueles para quem a religião possibilitasse não apenas as recompensas extre-terrenas, mas, principalmente, uma sobrevivência social.

Não que discorde totalmente desta forma de perceber o fenômeno religioso nesses tempos que caracterizam o inicio do século XXI. Digo apenas que não é mais suficiente pensar os fenômenos religiosos que atualmente presenciamos com a mesma fundamentação, uma vez que o eclodir de um número cada vez maior de igrejas não representa uma tentativa de volta a coletividade, mas, isso sim, uma acentuação do individualismo. Não representa uma reação contrária aos efeitos da modernidade sobre a sociedade, mas a acentuação de certos fenômenos característico da própria modernidade, motivados sobretudo pelas não realizações das promessas desta mesma modernidade. Não é também uma procura mística, é algo racional. É correto entender que pode haver em certas pessoas a necessidade de experimentarem alguma forma de relação mística com um sobrenatural, mas o que assistimos nessa proliferação de igrejas é outra coisa, diz respeito a uma experiência que tem como base os ímpetos e desejos individuais e consumistas, não a busca de um coletivo de relações geridas por um sistema religioso.


Alexsandro

18/11/2010

Uma nota religiosa

Não devemos nos esquecer que as religiões, os ritos religiosos, os movimentos religiosos, os religiosos, as Igrejas e tudo mais, nunca foram ou são manifestações puras e plenas de um deus. Toda experiência religiosa se passa na imanência da idolatria - a adoração a ídolos, valores, idéias, imagens, concretas ou simbólicas, são expressões dessa experiência.
Na nossa condição de homens e mulheres, vivendo numa realidade material, só podemos experimentar a vivência do sagrado por meio de alguma coisa que seja derivada de uma criação humana, seja esta um objeto ou uma lei moral. O que acontece é que podemos confundir “este algo”, na qual se firma a experiência religiosa, com o próprio “mistério transcendente”. Mas este algo é sempre algo culturalmente estabelecido e que ganha seus significado a partir daquilo que é determinado pelas circunstâncias do momento, da época.
Falamos numa experiência do sagrado por meio de práticas religiosas como sendo a possibilidade de vivência de um mistério que transcende o imanente da experiência humana. Mas isso não acontece como fato, acontece apenas como vontade, como desejo nosso que assim seja. Neste sentido é comum que os agentes religiosos acreditem que os sistemas religiosos funcionem autonomamente, não aceitando com facilidade que no emaranhado da sociedade existam uma serie de funções para esses mesmos sistemas religiosos que dizem respeito não a algo transcendente, mas a reprodução de algo social, que não diz respeito a um mistério, mas que é algo que deriva desta mesma sociedade. A religião (qualquer que seja) é, antes de qualquer coisa, uma tentativa humana de viver o movimento da história acreditando na existência de um mistério que está além, que transcende o profano, mas à frente desta crença se encontra nossa realidade humana e suas instituições.
Alexsandro

16/11/2010

A fronteira e o fluxo de alteridades


A fronteira demarca uma territorialização. O que significa territorialização? Significa a criação de um território como produto de um processo de subjetivação, fruto de “dobras”, dos agenciamentos dos fluxos, dos movimentos de imagem, de som, de palavras, de matérias, de sentimentos que caíram nas malhas de um poder. Neste sentido, a noção de fronteira é um agenciamento, um dispositivo de poder.

Mas faz-se necessário compreender que a fronteira não é uma categoria fixa, pelo qual um território se constituiria, mas algo em movimento. Entre o dentro e o fora, por ela circulam potências e sentidos. Se em um momento ela se apresenta como uma área de resguardo e de defesa de amplos espaços que dizem respeito a um poder central, recebendo tratamento periférico desde o centro de poder que a domina, em outro, ela não deixa de ser um campo de batalha, uma região rizomática e fragmentada que instaura uma falsa totalidade. Por conta disto, ao tratar de fronteira, devemos percebê-la como um espaço de negociação, de lutas, como uma ‘linha’ sempre em construção, como um espaço de circulação de alteridades e de afetos.

A alteridade é plural. O outro é sempre múltiplo. Na fronteira o outro é múltiplo. ‘Outros’ e ‘nós’ que são multiplicados pelos entreolhares de uns sobre os outros. Se o ‘nós’ e os ‘outros’ são múltiplos, múltiplas serão as formas pelas quais seremos afetados, assim como as formas pelas quais afetaremos. Na circulação desta alteridade os antigos ambientes afetivos se tornam ultrapassados para expressar novos afetos - movimentos de transformações que se fazem pela e na destruição e no evaporar de certos mundos, de certas configurações culturais, de certas relações sociais, de certos sentidos e de certas fronteiras. Sentidos que se perdem, que deixam de ser, que somem, e no reverso, sentidos que vêm, se acham, que passam a ser, que aparecem. As linhas que traçam as fronteiras são também linhas de conexão. Fronteira móvel, que debita a fronteira oficial, que faz circular outros e mais outros que os territórios institucionalizados não retêm.


Alexsandro

Por uma ética antipatriótica

Não há noção de Pátria que não traga uma dose exagerada de idolatrias, doutrinas e farsas. Todo ato de adoração à Pátria é um ato de adoração aos crimes que foram cometidos para que esta aparecesse e se mantivesse.
Quem ama uma Pátria faz de tudo para que outros também a amem. Não há fervor patriótico sem uma gama considerável de intolerância, fé cega, intransigência ou proselitismo.
A Pátria é uma assassina em potencial. Há na história humana dois motivos pelos quais mais se matou ou se morreu: por um deus ou por uma pátria. Devoção fervorosa e sangue. Gemidos e hinos. Fé religiosa e devoção patriótica se igualam no número de vítimas que fizeram. Os mais violentos crimes foram e são cometidos em nome de uma ortodoxia, religiosa ou política, não importa.
Daí o patriota e o fanático religioso se confundirem. E por serem como são, eles são um perigo. Os melhores e mais eficazes assassinos podem ser encontrados entre os patriotas e fanáticos religiosos: morrem e matam em nome de uma crença, de uma ficção.
A pátria é um conjunto de signos: honrar uma pátria, fazer guerras por uma pátria. Não perceber que por causa dela a vida deixa de criar, que o sangue que ela faz correr e o sangue que ela exige em nome de "proteção" é o mesmo sangue que poderia estar sendo dirigido para uma vida mais cheia de possibilidades.
O que alimenta tal atitude patriótica é a incapacidade de compreender a complexa trama de elementos que envolvem a construção do seu conteúdo e do seu funcionamento. Havendo, por conseguinte, uma redução dos seus elementos componentes dentro de uma elaboração de visão de mundo extremamente centrada em um conteúdo moral. A incapacidade de compreender e de conceber a pátria como uma invenção, como uma construção, pode levar a geração de um conteúdo moral que busca evitar qualquer esforço reflexivo, qualquer análise sobre as implicações de se viver sob um regime patriótico. Esse conteúdo moral pode chegar às raias da crueldade, da brutalidade, do totalitarismo e do fascismo. Tal conteúdo moral quase sempre desqualifica os esforços do pensamento criterioso e analítico. Assim, a incapacidade de autocrítica, somada a condenação a qualquer tipo de crítica, fazem do “patriocentrismo” uma atitude arrogante, fundada em idéias preconcebidas, tendo seus discursos calcados em pressupostos arbitrários, caprichosos e injustos.


Alexsandro

15/11/2010

Uma lição foucaultiana

Se for verdade que há sempre algum poder presente em qualquer empreendimento de saber e que não é possível desfazer essa relação, então qual a saída? Como tirar o poder do saber? Como deixar o saber apenas nele mesmo? Cairemos sempre nessa teia? Não sei. Talvez isso não seja possível. E se ao invés de lutarmos para acabar com a relação saber-poder fizéssemos exatamente o contrário, ou seja, disseminássemos o máximo possível a informação (o saber) que o poder encontra-se presente em todas as relações? Que o trabalho de produção do saber é também um trabalho de produção de poder?
Se o trabalho de produção do saber nunca estará completo, logo, o poder nunca terá uma forma definida. Se a produção do saber, e junto com ela a arte de pensar e a arte de escrever, sempre estarão em curso, também estaremos sempre no meio do labirinto do poder, um inelutável labirinto de paredes móveis, mas sem saída.
Se o saber é sempre algo em produção (uma produção infinita) e se o poder é um labirinto, como então se mover nesse labirinto sem ser esmagado por suas paredes móveis?
Talvez a resposta seja: continuar pensando. E junto com o pensar, escrever. Ou dito de outra forma: construir. Construir frases. Ir do início ao fim de uma página. Trabalho braçal. O trabalho de escrita deve atravessar o escritor pelo meio, desmontá-lo e reconstruí-lo em cada frase, tornando-o sempre outro. Outro sempre fugidio, sempre de difícil compreensão para o poder, sempre buscando ser “incapturável”. Ensinando-lhe não apenas novas maneiras de compreensão e entendimento, mas também produzir formas de confundir. Como? Produzindo um saber para outro poder na medida em que este faça ruir a base daquele saber que é imprescindível a manutenção do poder estabelecido.

Resumindo: aceitar que não tem como fugir da relação saber-poder e fazer uso dela, tramando uma produção de saber-poder sempre contestatória.


Alexsandro
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A leitura como arte do silêncio



Há pouco chegou em minhas mãos um livro que, entre outras qualidades, possui uma poesia e delicadeza fenomenal, mas não menos áspero e cortante. Refiro-me à "Nietzsche e a Educação" de Jorge Larrosa . Nele Larrosa dança, canta, pulsa, grita Nietzsche por todas as páginas. É uma escrita invejável. E é com esse sentimento de inveja que escrevo agora.
Em um dos capítulos do livro, intitulado “Ler em direção ao desconhecido. Para além da hermenêutica”, Larrosa descreve a experiência da leitura em Nietzsche: que tipo de leitor o Nietzsche espera para seus livros, como se devia lê-los, como usar todo o corpo na leitura, como dançar com os seus livros. Citando trechos de livros de Nietzsche, Larrosa aponta que este “exige para si mesmo ‘leitores perfeitos, filólogos rigorosos’, pessoas capazes de ler devagar, com profundidade, com intenção profunda, abertamente e com olhos delicados”. Claro que não é minha intenção tentar aqui interpretar ou discutir as implicações dessas exigências de Nietzsche apontadas por Larrosa. Desejo apenas apontar quão diferentes leitores seriamos se fossemos o tipo de leitor que Nietzsche esperava para seus livros.
Larrosa escreve dizendo que Nietzsche

"Sabe que a arte da leitura é rara nesta época de trabalho e de precipitação, na qual temos que acabar tudo rapidamente. Os “leitores modernos” já não têm tempo para esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se vêem com clareza, e das quais não podem colher imediatamente os resultados. Para eles, profissionais da leitura, o trato com os livros é, quando muito, um meio ‘para escrever uma resenha ou outro livro’, isto é, uma atividade na qual o que se lê é meramente apropriado em função de sua utilização apressada para a elaboração de um outro que deverá, por sua vez se consumir rapidamente."

Em outro momento Larrrosa (Nietzsche) diz:

"O leitor moderno está tão crente de “sua pessoa e sua cultura” que se supõe a si mesmo “como uma medida segura e um critério de todas as coisas”; é tal sua arrogância que se sente capaz de julgar – isso sim, criticamente – todos os livros; ele é constitutivamente incapaz de suspender o juízo, de guardar silêncio, de manter-se retirado, de escutar. Será que é isso que se ensina nas escolas? Em nossas escolas, incluindo as universidades, já não se ensina a estudar. O estudo, a humildade e o silêncio do estudo, é algo que nem sequer se permite. Hoje, já ninguém estuda. Mas todo mundo tem que ter opiniões próprias e pessoais. Os jovens pitagóricos tinham que guardar silêncio durante cinco anos. Mas nós, leitores modernos, parecemos incapazes de permanecer calados sequer durante cinco quartos de hora.”

Assim, como falei acima, quero intencionalmente plagiar Nietzsche (Larrrosa) no sentido de apontar as qualidades de um leitor ideal:
- deve possuir um espírito de profundidade, abertura e delicadeza;
- deve conhecer o segredo de ler nas entrelinhas;
- não deve permanecer na literalidade do texto, e
- que, sobretudo, pratique a arte venerável da leitura, o saber tornar-se silencioso e pausado.
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Alexsandro
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04/11/2010

Coerência

Um amigo professor contou-me que em uma de suas aulas começou uma discussão sobre aborto. A grande maioria optou, em meio a um debate acalorado, por ser contra. Colocado contra a parede, foi questionado sobre como era possível que ele, um professor universitário, fosse a favor de algo tão bárbaro. Os argumentos usados foram de todos os tipos, a maioria deles conhecidos por todos. Lá pelas tantas, uma das alunas fez a seguinte proposta: "Professor, pergunta sobre quantas aqui já usaram a pílula do dia seguinte". Silêncio geral. Constrangimento geral.

Moral da história? Como é triste não sabermos avaliar as coisas corretamente. Como é triste acreditarmos que só pelo fato de usarmos as mesmas palavras, crermos que estamos falando da mesma coisa. Como é triste avaliarmos os outros pelo limite do nosso entendimento.

Entre outras coisas, é chegada a hora de possibilitarmos que a coerência faça parte integrante de nossas práticas.
Alexsandro

A queda do Muro de Berlin e a queda dos pêlos pubianos




Em muitos momentos do século XX os filmes pornográficos estavam ligados não apenas às práticas libidinosas como também às criticas a repressão, sobretudo a repressão da própria libido como expoente de uma repressão geral da sociedade. Larry Flint foi um dos personagens símbolo dessa postura anarco-porno dos anos de 1970. Em muitos roteiros, por trás de muita sacanagem sexual, existiam também sacanagens políticas. Enrabar uma loira peituda, o grande símbolo da cultura americana, era um ato simbólico de enrabar os Estados Unidos. Estávamos em meio à guerra fria. Mas, como todos sabem, os Estados Unidos venceram a guerra. E a grande imagem dessa vitória, que é também uma vitória do capitalismo, é a queda do muro de Berlin. No campo da sexualidade, o equivalente pornografico da hegemonia capitalista e americana é a queda dos pêlos pubianos. Tais quedas representaram o avanço da hegemonia americana e capitalista sobre as práticas políticas cotidianos. Assim como a queda do muro de Berlin representou um golpe nas utopias políticas do século XX, a queda dos pêlos pubianos aparece como o novo símbolo desse controle sobre o corpo e suas práticas.
Se nos anos de 1950 os filmes com a “família feliz” era o sonho dourado que saia dos cinemas e invadia os projetos pessoais, hoje percebemos que os filmes pornôs deixaram de ser lixo cinematográfico e viraram referências para muitas das práticas cotidianas. É curioso perceber que sua influência vai desde seios siliconados, pêlos depilados, práticas, posturas e posições sexuais, até a invasão do imagético cotidiano de todos em termos de relações (afetivas e sexuais) possíveis.
Alexsandro
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