20/05/2012

Relações brutais

Não importa o ambiente ou com quem, nós vivemos em um sistema de relações brutais. Como não há valores autênticos, desde sempre ai, o que restou foi a possibilidade de ganhar dinheiro como fundamento de uma vida valorativa. Ou seja, sobreviver é nosso único impulso. Se esse valor é o que comanda, ¿como escolher? ¿Como viver em um mundo no qual cada escolha nossa é uma declaração de ataque ao outro, uma vez que ou somos explorados ou exploramos?
Grande parte das relações que vivemos já parte do princípio de obrigatoriedade. Ou seja, somos obrigados a viver relações que de outra forma não viveríamos não fosse o peso da situação ou da condição na qual nos encontramos. Acordamos todos os dias, trabalhamos, somos exauridos de varias formas - pelo poder público ou pelo poder privado. (Entra em questão a sobrevivência e todo que diz respeito a ela). A partir daí as questões são: ¿Que mais podemos esperar da vida? ¿Somos escravos? ¿Vemos claramente o que nos acontece? ¿Fazemos escolhas ou somos escolhidos? ¿Nossas ações emanam de uma vontade que é realmente nossa? ¿Aquilo que em nosso mundo representa escolha é realmente escolha? ¿Quem sabe o que deseja precisa escolher? ¿Não seria o mundo no qual vivemos que nos faz acreditar que aquele que escolhe é livre? ¿Escolhas programadas são escolhas? ¿Quando é que podemos falar em escolha? ¿Escolha não seria a possibilidade de escolher entre aquilo que estar no programa e aquilo que se encontra fora dele? ¿Há possibilidade de se escolher ou nos agarramos àquilo que podemos e simplesmente nos sentimos aliviados quando temos no que nos segurarmos?

Alexsandro

17/05/2012

O bom, o melhor, o suficiente e o perfeito

Há pessoas que sonham com o fim da época de estudos pois não se sentem felizes. Estudar é chato. Sonham em começar a trabalhar. Quando começam a trabalhar descobrem que trabalhar é chato e não se sentem felizes. Sonham com as ferias. Quando estão de férias descobrem que elas seriam melhores na companhia de alguém e não se sentem felizes. Ferias na solidão é chato. Sonham com alguém. Quando conseguem alguém descobrem que casamento não é conto de fadas, requer compromisso, não se sentem livres e sem liberdade é chato. Não se sentem felizes.
Testemunhamos uma ditadura da perfeição impondo que a vida tem de ser perfeita em todos os seus aspectos. De todos os lados ouvimos ordens e advertências de que devemos ser felizes: estamos sendo pressionados a sermos felizes e perfeitos a todo custo. Não buscamos o bom ou o razoável, a busca é pelo perfeito.
Há uma afirmação do Zygmunt Bauman que é emblemática: "O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o “perfeito” é um inimigo mortal dos dois." Traduzindo: sempre que se é buscado algo como, por exemplo, a solução para um problema, outras soluções poderiam está sendo utilizadas no seu lugar, ou mesmo que correções poderiam ser implementadas para tornar a solução escolhida ainda melhor.
¿O que ela significa? Significa que muitas vezes ter o BOM já seria o suficiente, mas ao não nos contentarmos e nos empenharmos em busca do MELHOR, tal empenho torna o BOM não suficiente. O problema se torna ainda maior quando e principalmente o BOM representa o MELHOR que poderíamos ter. Enfim, abrimos mão daquilo que é "o-melhor-que-podemos-ter" em nome de "o-melhor-que-nunca-será-suficiente". O problema cresce ainda mais quando consideramos que aquilo que entendemos por SUFICIENTE só terá validade se for PERFEITO - na nossa experiência suficiente só será aquilo que for perfeito. Estamos condenados a busca da perfeição.
Alexsandro

11/05/2012

Liberdade, autenticidade e o imprevisível

Uma liberdade que é previsível é uma liberdade engaiolada (normatizada, regulada e sem criatividade), enfim, não é expressão de liberdade. Uma experiência que se pretenda livre deve se concentrar na busca pela autenticidade. Mas o fato é que toda autenticidade é sempre imprevisível, incontrolável, uma vez que ela é sempre nova. E mais, como bem disse Bergson:
“...somos livres quando nossos atos emanam de toda a nossa personalidade, quando a expressam.”


Alexsandro

08/05/2012

Imaginação a serviço do encobrimento

Entre a sociedade de hoje e os intelectuais medeia um entendimento tácito:
"Conto contigo - dizem os leitores - para que me forneças os meios para esquecer, disfarçar, negar, em suma, a morte. Se não cumprires este encargo, expulso-te, ou seja, não te lerei. "
Louis Vincent Thomas

Nietzsche e a Morte de Deus

Assim afirmou Nietzsche:


Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje!

    (NIETZSCHE. A Gaia Ciência)





Partindo do anuncio de Nietzsche pudemos constatar que após a morte de Deus vimos nascer a religião dos adoradores do bezerro de ouro. Deus está morto e no seu lugar foi colocado o bezerro de ouro. Tal fato não diz mais respeito à teologia, ela não tem mais nada para nos dizer sobre Deus ou sobre nossa relação com ele, trata-se de uma questão moral, e em última instância, ética. Deus como princípio moral praticamente desapareceu da vida diária, por mais que seja invocado. Deus está morto e agora adoram o bezerro de ouro - afinal quase todos os projetos humanos se fixam em como conseguir dinheiro. As aleluias são para o dinheiro. As graças são por sua presença. Amaldiçoado é o dia no qual ele falta.

A morte de Deus é o evento mais emblemático do nosso tempo. Os crentes dirão que o mal que assola o mundo se deve ao fato de termos abandonado Deus. Os ateus dirão que já não era sem tempo, que o mal saiu de Deus. O problema agora é: como encarar uma vida sem Deus? Como encarar a vida no abandono? Como encarar o deserto do real? Como ser um estrangeiro órfão numa terra sem referências?
Bem, de fato não há deserto. Que deus esteja morto não há dúvida. Mas achar que a falta de sua presença nos deixou em um mundo deserto é ainda dar-lhe vida: considerar a realidade desértica é ainda considerar a possibilidade de um paraíso. Mais: na lamentação podemos também estar invocando que Deus volte e isto é extremamente perigoso - é também lhe dar vida. O que assistimos, de fato, é a abertura de um mundo de possibilidades.

Alexsandro

 ___________________________
Observação

"Deus está morto" é talvez uma das frases mais mal interpretadas de toda a filosofia. Entendê-la literalmente, como se Deus pudesse estar fisicamente morto, ou como se fosse uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda como uma simples declaração de ateísmo são ideias oriundas de uma análise descontextualizada da frase, que se acha profundamente enraizada na obra nietzscheana. O dito anuncia o fim dos fundamentos transcendentais da existência, de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas — segundo o filósofo, mesmo que estas não o queiram admitir. Nietzsche não se coloca como o assassino de Deus, como o tom provocador pode dar a entender: o filósofo enfatiza um acontecimento cultural, e diz "fomos nós que o matamos".

A frase não é nem uma exaltação nem uma lamentação, mas uma constatação a partir da qual Nietzsche traçará o seu projeto filosófico de superar Deus e as dicotomias assentes em preconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo — na opinião do filósofo, o único existente — a partir de um outro mundo superior e além deste. A morte de Deus metaforiza o facto de os homens não mais serem capazes de crer numa ordenação cósmica transcendente, o que os levaria a uma rejeição dos valores absolutos e, por fim, à descrença em quaisquer valores. Isso conduziria ao niilismo, que Nietzsche considerava um sintoma de decadência associada ao facto de ainda mantermos uma "sombra", um trono vazio, um lugar reservado ao princípio transcendente agora destruído, que não podemos voltar a ocupar. Para isso ele procurou, com o seu projecto da "transmutação dos valores", reformular os fundamentos dos valores humanos em bases, segundo ele, mais profundas do que as crenças do cristianismo.


Notas para uma redação

Prostitutas e céticos
... excetuando as prostitutas e os céticos, todos se perdem na mentira porque não percebem a equivalência nula das volúpias e das verdades.


Tão vazio quanto os idiotas
Quis suprimir em mim as razões que os homens invocam para existir e para agir. Quis tornar-me indizivelmente normal - e eis-me aqui, no embrutecimento, no mesmo plano que os idiotas e tão vazio como eles.


Eu sou caos
Todo homem esconde em si uma possibilidade de apocalipse, mas todo homem sujeita-se a nivelar seus próprios abismos. Se cada um desse livre curso à sua solidão, Deus deveria recriar este mundo, cuja existência depende inteiramente de nossa educação e deste medo que temos de nós mesmos... - O caos? - É rejeitar tudo o que se aprendeu, é ser você mesmo...


Emile Cioran

06/05/2012

Deus e a moral

¿O que entendemos por moralidade? ¿O que a moral deve proteger? ¿E no nosso caso que vivemos sob a influência da moral cristã, o que tal moral protege? A moral cristã visa proteger (e salvar) a alma. Visa protegê-la da condenação eterna no inferno. Se assumirmos que a moral cristã parte desse princípio, as questões que se seguem são: ¿Existe alguma evidência de que o inferno cristão existe? ¿Quais as consequências de acreditar em algo assim?
Milhões de pessoas estão doentes neste momento. Milhões de pessoas estão rezando para Deus neste momento para que essas pessoas sejam curadas. Milhões de pessoas não vão ficar curadas. Milhões de pessoas estão morrendo neste momento. Milhões de pessoas estão rezando neste momento por elas (¿qual a finalidade de rezar por alguém que morreu? Não sei). Penso nos pais, nas mães, nos irmãos, esposos e esposas, avôs e avós que estão rezando neste momento por seus parentes queridos e que não serão ouvidos. O argumento que muitos vão usar é que tudo isso faz parte dos planos de Deus. Mas eu cito aqui o argumento de Epicuro:

Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é que não os impede?

Em outras palavras:

Se Deus é omnipotente, omnisciente e benevolente. Então o mal não poderia continuar existindo. Se for omnipotente e omnisciente, então tem conhecimento de todo o mal e poder parar e acabar com ele, ainda assim não o faz. Então, Ele não é bom. Se for omnipotente e benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe quanto mal existe, e onde o mal está. Então, Ele não é omnisciente. Se for omnisciente e bom, então sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser omnipotente, pois se o fosse erradicava o mal. E se Ele não for omnipotente, omnisciente e bom, então por que chama-lo de Deus?

Conclusão, um Deus que diante do mal não faz nada, ou é impotente ou malévolo.
De outra parte tiramos de Deus todo ônus pelo mau presente no mundo. Se algo bom acontece é por obra e graça de Deus. Afirmamos que Deus é bom, justo e amável. Todavia quando algo de ruim acontece, quando algo cruel e injusto acontece, algo que provoca sofrimento, ainda pior quando acontece com pessoas inocentes, afirmamos que é vontade de Deus, que ele é misterioso, que não cabe a nós questionar sua vontade, que não somos capazes de entender toda sua vontade. Que devemos nos conformar por não compreendê-Lo e que devemos confiar. E se não sabemos lidar com isso é por conta da nossa racionalidade absoluta que luta contra a maravilha e o fascínio do mistério. Enfim, Deus é insondável e devemos nos conformar, pois se nem mesmo Moisés conseguiu arrancar de deus uma resposta clara a seu respeito, ¿quem somos nós para ousarmos fazer isso? (Quando perguntado sobre qual seu nome, Deus fez questão de deixar tudo mais nebuloso do que dia de chuva forte, dizendo apenas: “Eu sou o que sou” (Êxodo 3:14)).
Em outros momentos falamos da sua sabedoria e da nossa loucura, na qual a sabedoria humana é loucura perante Deus. Os pensamentos de Deus são mais altos do que podemos atingir através de nossas faculdades humanas. Conclusão: Ele sabe certamente o que será melhor, nós é que não entendemos.


I CORINTIOS [3]
18  Ninguém se engane a si mesmo; se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para se tornar sábio.
19 Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia;
20 e outra vez: O Senhor conhece as cogitações dos sábios, que são vãs.
21 Portanto ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso;
22 seja Paulo, ou Apolo, ou Cefas; seja o mundo, ou a vida, ou a morte; sejam as coisas presentes, ou as vindouras, tudo é vosso,
23 e vós de Cristo, e Cristo de Deus.

O que assistimos é um jogo retórico. Em um momento entendemos Deus porque ele é amor, em outro não o entendemos porque ele é misterioso. Quando é conveniente compreender Deus, assim o fazemos, mas quando estamos diante de evidências contrárias aquelas que apresentam Deus como um ser bondoso, nos recusamos a ver. O que representa uma ação totalmente desonesta e do ponto de vista moral, repugnante.


Alexsandro

Fé e narcisismo

Frases típicas de uma fé narcisista:
Deus me ama!
Deus me fez vencedor!
Deus quer o melhor para mim!
Deus operou milagres em minha vida!
Tudo que tenho agradeço a Deus.
O Senhor é meu pastor e nada me faltará.
Em adesivos de carros lemos: Guiado por Deus. Presente de Deus. Propriedade de Deus.
¿Mas como ficam aquelas milhões de pessoas cujas vidas são qualquer coisa menos uma benção? Vidas cujo único presente foi a miséria. Vidas cujo único milagre foi o abandono. Vidas que olham e levantam as mãos para o céu e a única resposta que recebem é o brilho do sol ou a escuridão da noite, nada mais.
Pensando em tudo de bom que Deus não realiza na vida de milhões de pessoas (nem quero lembrar as crianças indefesas diante da vida e do mundo), uma fé que se alimenta de narcisismo é uma fé monstruosa. Pensar e acreditar que tudo isso é normal, viver sob tal lógica e não dar a mínima para o sofrimento dos outros seres humanos, é assumir uma perspectiva de vida das mais nefastas.


Alexsandro


Deus e a moral (II)

¿Deus possui obrigações morais ou Deus não possui obrigações morais? ¿Tudo que ele faz, ordena ou permite é bom e justo? ¿Quais as conclusões que devemos tirar das ações de Deus? ¿Quando ele manda um povo (os judeus) massacrar outro povo (os amalequitas) – matando homens, violentando e escravizando mulheres e crianças – devo ver na sua atitude um gesto bom só porque foi ele que ordenou? ¿Como encarar o massacre de crianças de forma racional e ver ai um ato de amor ou de justiça? ¿Não seria exatamente o contrário: um total descaso pelo bem-estar humano?
¿Realmente devemos acreditar que existe um ser superpoderoso, que nos ama, que é nosso pai, mas que permite a escravidão de um de seus filhos para com outro? ¿Realmente devemos acreditar que esse ser superpoderoso é superinteligente, mas que nos deixou como guia um livro confuso, antiquado, cujos preceitos morais nos mandam de volta a um tempo no qual as mulheres são seres humanos que devem obediência irrestrita a outros seres humanos (os homens) sem justificativa alguma a não ser sua divina vontade?


Alexsandro


O sacrifício de Jesus


A imagem de um homem sendo supliciado e depois crucificado para que eu e ninguém soframos no inferno é uma imagem séria e delicada quando pensada em termos de amor ou qualquer moral que vise o bem. Sacrificar um ser humano para que outro se salve é uma atitude imoral e, no seu limite, de uma selvageria desnecessária. Um sacrifício ritual que utiliza qualquer animal como oferenda para um deus já é moralmente duvidoso, ¿o que devemos pensar de um ritual que se utiliza de um ser humano?
O cristianismo é uma religião que cultua o sacrifício. Um sacrifício humano. Tirar qualquer conclusão moral positiva de algo assim requer uma ginástica mental olímpica, principalmente quando vemos pessoas boas e honestas acreditando que estão compactuando com uma moral do bem. Felizmente muitas pessoas já perceberam que deve haver algo muito estranho no fato de um deus amoroso fazer a salvação da humanidade depender de algo tão cruel e desumano.


Alexsandro