31/03/2015

CASAIS CONGRUENTES EM RELACIONAMENTOS PUROS OU CASAIS DE CONTAS SEPARADAS



Não faz muito tempo que encontrei um colega que já não via a certo tempo e como em todo encontro inesperado, com pessoas a quem conhecemos mas com quem não mantemos laços muito profundo, geralmente recorremos a perguntas trivias e foi assim que fiz, iniciei perguntando como andava o curso – ele havia começado um curso universitário fazia um tempo. Disse que estava indo, que já se encontrava no sexto semestre e continuou falando mais um pouco. Quando parou de falar interroguei sobre sua esposa, perguntei como ela estava e se também continuava estudando – eu sabia que ela estudava na mesma universidade. A resposta que obtive foi curiosa e é por conta dela que escrevo este texto.
Ele disse que ela tinha parado de estudar, que estava desempregada e que não tinha como pagar a universidade, que provavelmente voltaria assim que as coisas melhorassem. O que achei curioso? A naturalidade com que falou sobre a situação da esposa, como se o que ela estava passando não fosse de sua responsabilidade, ou seja, o fato dela não está estudando por não poder pagar a mensalidade não fazia parte do rol dos seus problemas, era, acredito que ele pensa assim, problema dela. Ele agiu como se não fosse.
Tal fato isolado que vivenciei chama ainda mais a atenção quando passamos a perceber que ele não é isolado, pelo contrário, é um fenômeno vivido por muitos casais. São os casais congruentes em relacionamentos puros ou, como prefiro chamar, casais de contas separadas.
O que é um casal congruente? É um casal que estando juntos podem ou não viver vidas separadas. É o casal que ao fazerem coisas juntos acham aquilo bom, mas se um deles tivesse de fazer sozinho não ai fazer a menor diferença. Enfim, podem fazer coisas juntos, mas se não fizerem não faz a menor diferença. Se um tem dinheiro e o outro não tem, o problema não é sentido como sendo do casal. Cada um tem sua própria lista de contatos e pouco importa quem são os contatos do outro. Quando um decide fazer alguma coisa, acredita que comunicar já é o bastante e algo para além disso é desnecessário, afinal, sente-se livre para optar por aquilo que lhe for conveniente e fazer o que achar melhor. Quanto ao outro? Fará o mesmo quando chegar sua vez.
O que é um relacionamento puro? É o relacionamento que “tende a ser, nos dias de hoje, a forma predominante de convívio humano, na qual se entra ‘pelo que cada um pode ganhar’ e se ‘continua apenas enquanto ambas as partes imaginem que estão proporcionando a cada uma satisfações suficientes para permanecerem na relação’.
O atual "relacionamento puro", na descrição de Giddens, não “é, como o casamento um dia foi, uma "condição natural" cuja durabilidade possa ser tomada como algo garantido, a não ser em circunstâncias extremas. É uma característica do relacionamento puro que ele possa ser rompido, mais ou menos ao bel-prazer, por qualquer um dos parceiros e a qualquer momento. Para que uma relação seja mantida, é necessária a possibilidade de compromisso duradouro. Mas qualquer um que se comprometa sem reservas arrisca-se a um grande sofrimento no futuro, caso ela venha a ser dissolvida.”

Quais as consequências de uma vida de casal congruente em relacionamentos puros? Responder exige outro texto e por hoje já gastei minhas quinhentas palavras.

27/03/2015

ALHO, CEBOLA E BEIJO NA BOCA, OU, UMA ÉPOCA DE IRONIAS




Talvez estejamos vivendo numa época na qual a ironia seja sua maior representante. Afinal, é ou não é irônico vermos as seguintes situações?

- Corruptos lutando contra a corrupção.
- Infelizes oferecendo receitas para a felicidade.
- Idiotas que se dizem donos do melhor conhecimento. (Não importa qual seja o tema)
- Honestos que enganam qualquer um. (Desde que o produto seja vendido, a quem importa ser honesto)
- Intolerantes falando de amor ao próximo.
- Mortais que falam de amor eterno.
- Hipócritas gritando que acreditam. (Em que? Sabe-se lá o que.)
- Gente livre que afirma não haver alternativa.
- Gente presa que afirma ser livre.
- Estudantes que não estudam.
- Amantes que não amam.
- Justiceiros do injusto.
- Fracassados que falam em sucesso.
- Burocratas que pregam espontaneidade.
- Gente que afirma que paga um alto preço para ser como é, mas que, ironicamente, venderam-se por muito pouco.
- Conformistas que falam em revolução.
- Rebeldes em Ferraris.
- Aventureiros de escritórios.
- Vagabundos que trabalham.
- Gente ruim que é vista como boa.
- Gente boa que é vista como ruim.
- Gente que tem a capacidade de defender duas crenças ou ideias contraditórias, ou seja, é capaz de defender uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo, chegando a incrível situação de saber que está errada, mas se convence de que está certa.

Tais ironias se devem a muitos fatores, mas também não deixa de ser irônico o fato de que a mais de cinquenta anos George Orwell tenha cunhado o termo “duplipensar” como tentativa de definir esse jogo de incoerências tão recorrentes na vida moderna.
Duplipensar é, no entendimento do próprio Orwell:
“Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra "duplipensar" era necessário usar o duplipensar.”



Alexsandro