30/06/2011

Jesus e o "traveco"

Usando de liberdade poética segue abaixo uma paráfrase da Bíblia. Mais especificamente do evangelho João, capítulo 8, versículos 1 à 11. Representa uma das passagens mais emblemática da vida de Jesus. Devo esclarecer que a única adaptação que fiz foi trocar a personagem da prostituta por um "travesti".



JESUS, porém, foi para o Monte das Oliveiras.
E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha até ele, e, sentando-se, os ensinava.
Os escribas e fariseus trouxeram-lhe um travesti apanhado que foi chupando o pau de um soldado romano.
E, pondo-o no meio, disseram-lhe: Mestre, este homossexual foi apanhado, no próprio ato.
Na lei, Moisés nos ordena que os tais sejam apedrejados. Tu, pois, que dizes?
Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra.
E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.
E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.
Quando ouviram isto, redarguidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e o travesti que estava no meio.
E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que o travesti, disse-lhe: Criança, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
E ele disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.


28/06/2011

Liberdade ou libertação (III)

O fato de vivermos em uma sociedade marcadamente insegura e recheada de incertezas deixa a vida de qualquer um e de todos instável. Incertezas e inseguranças que impõem limites às experiências de homens e mulheres. Uma vida vivida em meio a inseguranças e incertezas diminui ou mesmo tira completamente a capacidade de compreender os limites a que uma vida em sociedade impõe. Tais limites ficam ainda mais difíceis de serem compreendidos quando falta a capacidade de imaginar formas alternativas de vida e de convívio. Capacidade esta que só pode ser trabalhada e aprimorada pelo questionamento. Lembrando que a capacidade de questionamento é a prova de que os membros de uma sociedade estão percebendo os limites desta mesma sociedade e que estão buscando deixá-la melhor, estão buscando o melhor para si e para todos, pois quando questionamos sobre a validade de algo é porque não temos a certeza se aquilo é realmente o que queremos ou se aquilo que já temos é ou não o que realmente queremos continuar tendo. Assim é que podemos afirmar que evitar fazer perguntas, evitar o questionamento ou mesmo não saber questionar é a melhor forma de barrar qualquer processo de ultrapassagem dos limites aos quais estamos submetidos.
Mas, afinal, que processo de libertação buscamos? De saída, não sabemos, nem individualmente nem coletivamente. E é aqui que entra em campo e ganha importância a política como a arte do possível, ou seja, como a arte de construção daquilo que é possível. A situação se torna mais critica quando percebemos que vivemos em um mundo recheado de incertezas e inseguranças. Neste ambiente a finalidade da política deve ser a de mostrar os limites da liberdade ou mesmo a sua impossibilidade ou inexistência, mas capacitando os sujeitos para serem capazes de compreenderem os limites a que estão sujeitos, para em seguida serem capazes de negociarem a que limites estarão dispostos a se sujeitarem, buscando minimizar ao máximo possível aquilo que limita ou impede a vida de se expressar, sobretudo, de forma digna e criativa.


Alexsandro

23/06/2011

Deus falou comigo

Pois é, eu não esperava por essa: Deus falou comigo. Falou no meu coração.
Como assim, você não acredita que Deus tenha falado comigo? O que impediria ele de falar comigo? O que eu tenho de errado para ele não falar comigo? Tanto não tenho nada de errado, que ele falou comigo.
No começo eu achei que estava alucinando, paranóia mesmo. Disse comigo: isso não pode ser real, Deus não existe. Mas o tempo foi passando e Deus começou a falar comigo novamente. Foi mais ou menos assim: eu estava lendo e na minha cabeça a minha própria voz começou a falar sozinha. Pois é, ele usou a minha própria voz, dentro de minha cabeça, e quanto mais eu lia para ver se aquilo passava mais minha voz ficava mais alta na minha cabeça. Mas como cético que sou insisti mais um pouco: eu devo estar bêbado, mas lembrei que só tinha tomado água e café naquele dia e como eu não uso drogas pensei que poderia ser cansaço. Só poderia ser coisa da minha cabeça. Todo mundo já ouviu falar de alguém que afirmou ter falado com Deus ou que Ele usou a voz de outra pessoa, mas comigo foi com minha própria voz que ele se anunciou. Mas não me peça para explicar mais, você só compreenderá quando acontecer com você. Acho que é assim, acontece de tal forma divina que não sei explicar de forma racional - quando é Deus quem fala você simplesmente sabe, sente.
Como eu posso provar que Deus falou comigo? Eu ouvi a sua voz. Deus me incomodou, Deus como que me impingiu uma mensagem. Qual mensagem?
Ele disse que gostava mais do tempo em que os cristãos eram perseguidos. Naquele tempo, eram mais perseguidos, mas, curiosamente, eram mais fies aos seus mandamentos. Ele disse que o crescimento quantitativo do seu povo não foi acompanhado de um crescimento de qualidade. Disse que ele tem vergonha da imensa maioria daqueles que se dizem religioso. Que por Ele todas as igrejas poderiam fechar hoje mesmo, pois nenhuma igreja o representa, muito menos os padres e pastores que vivem nelas. Disse também que podem queimar a Bíblia, que é um livro ultrapassado, que não acompanhou a passagem do tempo e que se envergonha quando dizem que ela foi inspirada por ele.

18/06/2011

Precisamos livrar a educação da tutela do Estado e de seus feitores

Há um aforismo do Nietzsche, presente no livro Crepúsculo dos Ídolos, na qual ele comenta sobre a educação superior alemã de sua época. O que chama atenção em tal reflexão é justamente o fato dele ter como referência a noção de educação superior, desejando nos fazer refletir, junto com ele, o que entendemos por educação superior, o que entendemos por educadores de uma educação superior. Logo no início do aforismo lemos:


O que há de principal para toda a educação superior perdeu-se na Alemanha: a finalidade tanto quanto o meio para a finalidade. Esqueceu-se do fato de que a meta é a própria educação, a própria formação, e não “o império”: o fato de que se precisava de educadores para alcançar essa meta – e não professores ginasiais e eruditos universitários...Educadores são necessários, educadores que sejam eles mesmos educados, espíritos superiores e nobres, que mostrem seu valor a cada instante, através da palavra e do silêncio, culturas que se tornaram maduras e doces. – Não estes brutescos eruditos que os ginásios e as universidades oferecem hoje em dia à juventude como “amém superior”. Faltam educadores, descontadas as exceções das exceções, a primeira condição prévia da educação: daí a decadência da cultura alemã.


a finalidade tanto quanto o meio para a finalidade: a palavra meio diz respeito a educação e esta se perdeu, está perdida, assim como a sua finalidade. Mas a que finalidade deveria servir a educação? Logo em seguida ele emenda: a meta é a própria educação, a própria formação, e não “o império”. Nietzsche, já naquela época estava informando que toda a educação existente naquele momento estava voltada não para uma formação de um “espírito superior”, mas de criaturas assujeitadas, ou sujeitas “ao império”.

Liberdade ou libertação (II)

De saída precisamos entender que liberdade não é um presente gratuito que cai do céu ou uma dádiva da natureza. Também não é algo que se conquista para todo o sempre, que não há liberdade enquanto algo que se possui, algo dado por alguém ou conquistado definitivamente. Uma tal liberdade não existe.
O que há, então? O que há é um processo indefinido de libertação. Um processo. Um processo de luta contra algo, contra alguém ou contra uma situação que nos constrange e da qual buscamos escapar, ultrapassar, superar. O que há é o movimento de lutar para libertar-se. É por isso que diante do mundo e imersos em processos de libertação nos encontramos sempre na contramão de algo, lutando contra algo que nos oprime naquele momento, contra alguma força ou circunstância que de alguma forma tenta nos manter em estado de paralisia, no papel de dominado, obedecendo a alguém ou se submetendo a certos ditames sócio-culturais.
Libertação é processo.
Se assim for, como definiremos, conceituaremos e entenderemos este processo? Quais as implicações deste processo na vida de homens e mulheres? Quais as implicações deste processo na construção e manutenção de uma sociedade? De saída, e aqui não custa repetir, faz-se necessário compreender que nunca experimentaremos a liberdade enquanto tal pelo simples fato dela não existir, ou existir apenas com uma invenção que mais nos confunde e que ao cabo nos impede de viver na medida de nossa real condição, nos fazendo sonhar e desejar algo impossível. Já a libertação como processo nos põe em movimento, nos faz perceber a vida como um processo de abertura, de criação, de luta contras aquelas forças que querem o poder, contra aqueles que querem sempre tirar vantagem de uma relação, contra aqueles que estão sempre dispostos a ver o outro como uma possibilidade de ganhar mais, de usá-lo de alguma forma em proveito próprio. A importância de compreender a vida em termos de libertação se encontra no fato de podermos compreender quais são e quais não são as possibilidades realmente possíveis de serem alcançadas por homens e mulheres que vivem juntos em uma sociedade.

(continua)

Alexsandro

 

15/06/2011

O "talebã cotidiano" é assim

Consideram-se como sendo "gente do bem", julgam e condenam os outros, mas acham não fazem mal a ninguém.

A neurose da felicidade

Nível cultural ou felicidade? Qual deve ser nossa primeira preocupação?
Vivemos um momento no qual a questão da felicidade virou uma neurose. Chegamos a tal ponto que confundimos felicidade com almoço de domingo e passamos grande parte do tempo discutindo conflitozinhos de adolescentes como se fossemos salvar o mundo. Será que não é chegada a hora de nos preocuparmos mais com nosso nível cultural e menos com a nossa felicidade para não cairmos na triste conclusão de que só os ignorantes são felizes? Não deveríamos primeiro multiplicar os nossos horizontes para, a partir daí, termos a possibilidade de ultrapassar a condição de subnutridos emocionais?


Alexsandro

Alvo certo

De vez em quando tenho que ouvir coisas assim: "Ah, você não diz nada com nada!" Certo dia ouvi isso de uma mulher belíssima, fiquei magoado, triste mesmo. Mas minha dor e tristeza só duraram por um momento, até vê-la passando pela minha frente de mãos dadas com um rapaz que, entre outras coisas, era dono de um dos mais limitados cérebros que já conheci (não há de minha parte a menor sobra de despeito ou rancor ou preconceito para afirmar isso). Entendi naquele momento o quanto deveria ser difícil mesmo para ela me entender.
Pois é, entendi que não são minhas palavras que não dizem nada, é simplesmente que de vez em quando elas entram em certos cérebros e encontram um vazio, ficam, assim, sem contexto.


Alexsandro

14/06/2011

Liberdade ou libertação

A palavra liberdade pode ser definida ou entendida de diversas formas:

- ela pode se referir à situação experimentada sem constrangimentos;
- a possibilidade de agir segundo a própria determinação de quem age;
- a probabilidade de ação sem limitações exteriores;
- a um tipo de experiência que não demanda compromissos;
- ao estado de quem não se encontra na dependência total ou parcial de alguém;
- de quem não se encontra detido ou preso;
- de quem vive na completa ausência de condicionamentos;
- da possibilidade de se afastar definitivamente de uma vida dirigida por qualquer tipo de norma;
- como a qualidade da vontade humana de seguir os próprios motivos e valores, ação determinada e orientada por uma consciência lúcida e determinada pela razão, sem a interferência de qualquer paixão;
- a possibilidade de decidir sem motivos;
- a manifestação absoluta da vontade.

Se tomarmos o que foi dito acima como definições possíveis para a experiência da liberdade, ou mesmo que só poderemos reconhecer uma experiência como sendo livre quando ela coincidir com tais parâmetros e mais, se levarmos em consideração que a nossa experiência como homens e mulheres vem sempre condicionada por algo ou por alguém, que é sempre uma experiência vivida dentro de certas circunstâncias ou limitações, chegaremos à conclusão de que a liberdade não existe ou de que ela é uma experiência impossível de ser vivida por qualquer homem ou mulher, principalmente se este homem ou mulher se encontrar vivendo dentro dos limites de uma sociedade regida por leis, normas, regras ou valores que condicionam o que se pode ou o que não se pode fazer ou ser.
Neste sentido, podemos afirmar que um homem ou uma mulher experimentando plenamente a liberdade não existe. Podemos pensar e ver, isto sim, homens e mulheres em processos de libertação, em luta para se tornarem livres.
(continua)


Alexsandro

08/06/2011

Sim, é simples assim

Toda e qualquer experiência de libertação começa ou passa pela experiência do prazer corporal.

Alexsandro

05/06/2011

O Diabo é o pop na Indústria Cultural



A indústria cultural, na qual a indústria fonográfica é uma de suas faces, vem preencher a função de unificar elementos da "cultura popular", para em seguida integrá-lo em um sistema cultural mais vasto: o mercado consumidor. Com relação ao Diabo a operação é clara, ele foi extraído da religião (popular ou intelectualizada, pouco importa), e colocado, por exemplo, em disco como tema principal ou secundário das letras de canções, vídeo clips, shows, nome de grupos, etc.
Como isso começou? Após a Segunda Guerra Mundial a população jovem norte-americano aumentou de forma bastante elevada, principalmente devido a expansão econômica daquele país. Entretanto, apesar do progresso industrial, a sociedade norte-americana permaneceu com seus valores moralistas e preconceituosos.
Dentro deste contexto apareceu uma cultura própria dos jovens que refletia uma tendência comportamental que ia de encontro aos valores morais predominantes. Sua maneira de expressão configurou-se principalmente através da musica, fosse individualmente ou em pequenos grupos. Embora estivesse inicialmente fora dos padrões preconizados pela sociedade estabelecida, a cultura jovem de então passou a ser assimilada e comercializada pela indústria cultural – havia ai um amplo mercado consumidor a ser explorado.
É interessante percebermos que mesmo sendo comercializada pela indústria cultural, esta cultura juvenil passou a apresentar críticas das mais veementes à sociedade, sobretudo negando seus valores, numa tentativa de criar e vivenciar um estilo alternativo e coletivo de vida, de tal forma que fosse contra o consumismo, a industrialização indiscriminada, o preconceito racial, as guerras, etc. A reação desta juventude mais crítica e politizada, ainda que até então sustentada e explorada pela indústria cultural, passou a ser conhecida como “contracultura” Parece contraditório, mas mesmo agindo contra a indústria cultural, é através desta que esse movimento se expandiu e se deixou assimilar.
É indiscutível que o rock com seus ritmos acelerados e altissonantes tenha se tornado o símbolo desta contracultura, ou melhor, fonte para contestação e a ruptura da tradição musical do Ocidente, seja erudita, seja popular. A indústria cultural fez do rock uma de suas mercadorias mais valiosa, sendo usado como veículo de novas idéias, valores e sonhos, constituindo uma massa de adeptos informe e diversificada, estabelecendo um intercâmbio por cima das línguas, nacionalidades e raças.
Nos anos 60 o rock dividiu-se numa variedade enorme de estilos e linguagens. Essa multiplicação de estilos - que caracterizou principalmente o início dos anos 70 - pode ser explicada pela própria assimilação da indústria fonográfica de quase todos os sons arquitetados no final da década de 60, que foram reciclados a partir de uma tecnologia cada vez mais sofisticada. Destes estilos o progressive rock (rock progressivo) e o heavy metal (metal pesado) foram os dois que marcaram a primeira metade da década de 70. Influenciado pelo acid rock (rock ácido), estilo que procurava através de espaços musicais amplos e abstratos, e do emprego de estranhas sonoridades, reproduzir os aspectos auditivos, os climas e sugestões emocionais da experiência psicodélica com as drogas - o progressive rock acabou sendo um dos principais responsáveis pela vanguarda musical seguinte, seu apelo procurava fundir o jazz com a música erudita e levando o mais longe possível o desenvolvimento da eletrônica no interior da musica pop (o uso dos sintetizadores são o melhor exemplo).
O heavy metal por sua vez não usava nenhum metal (instrumento de sopro), era feito na base da força das guitarras amplificadas e distorcidas por toneladas de equipamentos. Originário também do acid rock e sofrendo a influência de guitarristas como Jimmy Page, Jeff Beck, Dave Edmunds, Eric Clapton, entre outros, os grupos Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple formam a base que concretizou este estilo.
Os anos de 1970 são marcados por um clima escatológico. O “fim do mundo” nunca esteve tão presente, sobretudo diante da ameaça nuclear e outras convulsões que marcaram aquela década. Foi nesse ambiente que a temática do satanismo, a partir do heavy metal, vai ganhar terreno, refletindo de certo modo as incertezas de uma década que começava. Mas é bom lembrar que a temática já se fazia presente no rock, só para citar um exemplo, a "Sympathy for the Devil", composta por Mick Jagger e que rendeu várias acusações de satanismo à banda Rolling Stones, é do álbum Beggar's Banquet, de 1968. Aconteceu que a partir de então nos shows a temática do Diabo é levada a tona de forma explicita e irreverente. O grupo Black Sabbath ( ou Cerimonia Negra) confessava ser o Diabo o senhor deste mundo. Entendendo o grupo que todos os jovens deveriam entregar suas almas ao Diabo. Em seus shows o conjunto costumava incitar a platéia a fazer um pacto com o ele, o Diabo. Já o grupo AC/DC fazia oferecimento de sangue no palco ao público presente. Um dos mais destacados em suas performances foi Ozzy Osbourne. Diz a revista Rock in Rio, editada em janeiro de 1985, que quando ele subia no palco era saudado como se fosse o próprio Demônio. Acrescenta a publicação: não é de hoje que Ozzy Osbourne é uma figura cultuada e ligada a ritos satânicos. Ele próprio foi fundador e vocalista da banda que era literalmente um rito satânico: Black Sabbath (Ozzi saiu da banda em 1979, seguindo carreira solo, a reportagem citada faz referência a esta nova fase de sua vida). A mesma publicação confirmou que Ozzy degolava animais no palco. “Hoje ele conseguiu o que queria. É o centro das atenções e o que leva toda a fama. Da mesma maneira que é visado pelo FBI, pela policia e por varias ligas religiosas que acham que durante os seus shows o Demônio é invocado mesmo, animais são sacrificados e mocinhas são violentadas”.
Desde o seu aparecimento o rock sempre teve como companhia a irreverência e, algumas vezes, a permissividade. Com ele a juventude repudiou valores em nome de comportamentos tidos muitas vezes como “modernos” e buscou maneiras novas de expor o que sentiam - começando a declarar de forma explicita o que sentiam em relação ao amor, ao sexo, a política, a guerra, a religião, etc. Assim que, com o advento do heavy metal propriamente, as musicas daí derivadas começam a fazer apologia ao amor livre, a libertação sexual, desde as praticas normais as mais aberrantes, valorizando a conspurcação total do homem, a violência, o abuso moral, etc. Por exemplo, uma de suas propostas visa levar a juventude a praticas sexuais que seriam consideradas vis e pervertidas pela sociedade: pedofilia, necrofilia, zoofilia, homossexualismo, etc. Paul Stanley, um dos integrantes do Kiss, por exemplo, gabava-se de suas proezas eróticas: “Você sabe o que temos recebido ultimamente? Cartas de adolescentes de 16 e 17 anos, com fotos em que aparecem nuas. É surpreendente! É genial! Não há nada como você saber que esta ajudando a juventude da América a se despir”. Os Rolling Stones tem um álbum intitulado “Necrofilia”. Alice Cooper canta uma música intitulada “Ala dos Mortos”, onde ele fala do seu romance com uma mulher morta. Al Jourgenson, vocalista do Ministry ( ou Sacerdócio), se intitulou “buck satan”(animal satânico) – caracterizou-se por enfeitar o palco com crânios e ossos de animais. Quando o grupo “começa o gospel hardcore (em) uma tela no fundo do palco são projetadas imagens de pessoas deformadas , acidentes de carros, todo tipo de barbaridade. Na platéia o mash acelera, cabelos voam nos ombros até encontrar pela frente uma intransponível barreira de seguranças. Os sete caras no palco quase não se mexem. É um espetáculo épico e ao mesmo tempo minimalista, robótico.”(revista Bizz ,dezembro, 1992).
King Diamond, líder do Mercyful Fate, proclamou-se satânista e nos seus shows além da maquiagem uma cruz invertida na testa. Suas letras esgotam a temática satânica. O espetáculo demoníaco não para por ai, se Ozzy mordia morcego de plástico nos anos 80, anos depois o pessoal do death metal levou a coisa mais a serio. Os componentes do Morbid Angel bebem o próprio sangue e Glen Benton, líder do Deicide, traz uma cruz invertida marcada a ferro na testa. “Deicide deu um jeito para se destacar levando ao extremo a mania de ser emissário do Diabo na terra. Suas letras de adoração satânicas conseguiram irritar terroristas, que lançaram uma bomba incendiaria no local em que a banda se apresentou no fim de 92, na Suécia... Benton ainda foi ameaçado de morte por um grupo inglês chamado Milícia Animal, após se vangloriar de torturar animais em uma entrevista ao semanário inglês NME. O Deicide canta e prega o extermínio da humanidade”.(revista Bizz, fevereiro, 1993)
Uma pratica comum entre os grupos de rock com um som mais pesado é colocar nome nas bandas que sugira, se não algo de demoníaco, pelo menos algo que choque ao ser pronunciado. Assim temos: Acid Storm (Tempestade Ácida), Alice in Chains (Alice Acorrentada), Annihilator (Aniquilador), Artillery (Artilharia), Bad Company (Má Companhia), Bad Religion(Má Religião), Blues Brothers (Irmãos Tristes), Brutal Truth (Verdade Brutal), Butthhole Surfers (Surfista do Cú), Death (Morte), Death Angel (Anjo da Morte), Die Toten Hosen (As calças mortas), Exhort (Exaltar), Faith no More (Fé nunca mais), Fear Factory (Fábrica de medo), Fight (Luta), Genocídio, Graveyard Train (Trem do Cemitério), Jesus Jones, Killers (Assassinos), Monstrosity (Monstruosidade), Obituary (Obituário), Sepultura, Slayer (Assassinos), Testament (Testamento, fazendo referência a Biblia), e por ai segue uma infinidade de nomes de grupo cuja proposta musical das letras que cantam vai deste a critica contra qualquer regime político ou contra a morte de crianças na Etiópia até o extermínio da humanidade, enquanto outros falam de namoros desfeitos pelos mais variados motivos, outros cantam falando de relações sexuais, etc. etc.
O processo de reprodução não se limita apenas aos espetáculos, se estende a discos, filmes, clips, roupas e acessórios. O que testemunhamos é que a apropriação de um bem religioso (o Diabo) segue o mesmo caminho das outras mercadorias produzidas por esta mesma empresa. Entretanto, em virtude de sua especificidade, novos elementos devem ser levados em consideração: o Diabo, elemento pertencente ao mundo das coisas sagradas, estando nas mãos de leigos cuja única finalidade é passar um produto, é transferido do mundo sagrado para o do puro espetáculo teatral. Ele que teria valor de culto passa a ter “valor de exposição”.
A noção de valor de exposição leva em consideração a relação da obra com um público consumidor. Esta relação vem gerar uma atitude próxima do conformismo.
Existindo a possibilidade de se consumir algo simplesmente pelo seu caráter de exposição em detrimento de qualquer outra avaliação e recusa a qualquer tipo de pensamento crítico em relação ao que está sendo exposto. No caso do Diabo o que entra em questão não é nem tanto o pensamento, mas o sentimento, este é coisificado, perdendo todo sentido sagrado, passando a ser um produto comercialmente distribuído. Aqui o Diabo não é mais sentido em seu valor de culto, como colocamos, é apreciado apenas em seu aspecto de exposição, o público não é levado a ter uma atitude de “recolhimento” próprio das coisas que é sagrada, mas para um lado totalmente contrário a este, o da diversão. Todo isto faz supor que da parte daquele (um cantor, por exemplo) que se utiliza de algo sagrado (o Diabo) como parte de um espetáculo, existe uma atitude passiva, ele não é invadido e nem se sente envolvido pelo clima de sacralidade que uma figura como o Diabo poderia lhe passar, ele nada mais faz do que consumir e reproduzir de forma profana uma temática religiosa. O que deveria ser uma saída do tempo profano para um novo tempo, nada faz a não ser permanecer num tempo também profano, o(s) indivíduo(s) não se perde(m) perante uma faculdade mística. Já da parte do público, o espetáculo gera uma atitude de conformismo frente ao que estar sendo transmitido.
O crescimento da indústria fonográfica nos últimos anos é indiscutível, assim como de outros aspectos da industria cultural, levando a alteração das relações que o produtor tem com produto do seu trabalho e deste com o público consumido. Por sua vez a história das religiões nos ensina que as manifestações religiosas não desaparecem facilmente, elas sofrem infindáveis processos de reinterpretação que muitas vezes encontram-se camufladas por trás de uma aparência profana. Não se deve esquecer nem deixar de lado a questão que informa que novos tipos de sincretismos entre indústria cultural e religião estão surgindo e que o que presenciamos acontecer com o Diabo acontece com outros aspectos da cultura religiosa.
(Chega a ser cômico perceber como temas religiosos medievais ainda ecoam no mundo “pós-moderno”.)


Alexsandro

04/06/2011

Ave de prata

Delicia. Música. Voz. Arranjo. Alucinação. Criação. Sentido. Produção. Música que faz. Zé/Elba Ramalho. Simbolismo. Palavra. Pedra. Anunciação. Tragédia. Ébrio. Apocalipse. Desterritorialização. Mão sem mão. Terra de caminhos. Pela última vez. Um juízo final em cada decisão. Verdade. Dividir a mentira.



É muito mais do que muito Muito mais do que quantos anos todos piorei É muito mais do que mata Muito mais do que morrem todos pela planta do pé É muito mais do que fera Mais do que bicho se quiser procriar Uma espécie, sementes da água, mistérios da luz É muito mais do que antes Mais do que vinte anos multiplicar Dividir a mentira Entre cabelos, olhos e furacões Inventar objetos Pela esfinge quando era mulher Ave de prata Veneno de fogo Vaga-lume do mar O mar que se acaba na areia Gemidos da terra apoiados no chão Entre todos que usam os dentes do arpão Apoiados em cada parede pela mão Pela mão que criou tantas trevas e luz E cada coisa perdida Perdidamente pode se apaixonar Pela última vida Poucos amigos hão de te procurar Como é o silêncio? E nesse momento, tudo deve calar Numa história que venha do povo O juízo final