30/10/2010

Honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores)

A família infantiliza a criança de uma maneira monstruosa. Quando não é o bibelozinho da casa ou o xodozinho, é o reverso disso, o monstrinho, o idiota bobão que não sabe nada, que não tem nada a dizer, que não presta para nada. Em outro extremo nós encontramos crianças de 5 anos sobrevivendo pelas ruas na companhia de outras crianças. Em tribos indígenas meninas de 12 anos possuem as mesmas responsabilidades dos adultos. Não entendam que desejo que esses exemplos sejam nosso parâmetro, não se trata disso, trata-se de outra coisa. Trata-se de entender que nós paralisamos as crianças. Elas poderiam estar rendendo mil vezes mais do que estão rendendo, mas não estão. E a culpa é da família. É da F-A-M-Í-L-I-A! ! !
A criança responde a educação que recebe: se for tratada como bobona, ela vai agir como bobona, se for tratada como alguém cheia de potenciais, ela responderá como tal. Os pais são os parâmetros. E, ao contrário do que se imagina ou se fala, pais e mães brasileiros são uma lastima: um número absurdo de pais são alcoólatras, outros tantos são ausentes. As mães são as maiores propagadoras de preconceitos, dos mais variados tipos. A família é a primeira e maior inimiga à qual as crianças têm de sobreviver.
Vencemos muitos momentos ruins. Talvez é chegada a hora de começarmos a maior batalha enfrentada por homens e mulheres: vencer pai e mãe.
Alexsandro
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26/10/2010

A inteligente arte de não ler

Gosto muito de um pequeno artigo que li já faz um tempo - "Os cinco livros que mais me influenciaram". Ele é de fato uma entrevista na qual Derrick Jensen falar sobre livros e leituras. Interrogado sobre qual livro o fez perceber que alguma coisa estava errada com o planeta, o sistema político, o sistema econômico, etc. Assim respondeu ele:

Não foi um livro. Foi a destruição de lugar após lugar que eu amava. E foi a completa insanidade de uma cultura onde tantas pessoas trabalham em trabalhos que elas odeiam... A própria cultura me convenceu de que alguma coisa estava errada, ao ser tão extraordinariamente destrutiva da felicidade humana, e, muito mais importante, do próprio mundo.

O que ele quis dizer? Na continuação de sua argumentação ele nos faz entender, entre outras coisas, que não é qualquer leitura que faz bem ou que vale a pena. Fazer todo mundo ler pode parecer uma atitude correta, mas depende muito daquilo que será lido, caso contrário, não vai fazer muito diferença. Enfim, de nada adianta trocar o analfabetismo por outra visão estreita do mundo. Uma “boa formação” (e eu não tenho certo o que isso significa) depende também do que se lê. Por exemplo, citar um livro como "O Código Da Vinci" como referência de boa leitura não me parece uma boa postura. Tal questão já nos remete a uma arte muito estranha e pouco falada: a arte de não ler. É o filósofo Schopenhauer quem dirá:

"... no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, com panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para tolos sempre encontra um grande público..."

Após fazer essa dura crítica, ele sugere que por conta do nosso pouco tempo, devemos voltar nosso interesse

"para as obras dos grandes espíritos de todos os tempos e de todos os povos, para os homens que se destacaram em relação ao resto da humanidade e que são apontados pela voz da notoriedade. Apenas esses espíritos realmente educam e formam os demais."

A preocupação aqui é com o fato simples que muitas vezes esquecemos, qual seja, ler livros ruins emburrece. Sobretudo quando temos claro que muitos daqueles livros só foram escritos para serem vendidos, pouco importando seus conteúdos. Ou como ele diz em forma de crítica a esse mercado editorial: “Nove décimos de toda a nossa literatura atual não possui outro objetivo senão o de extrair algum dinheiro do bolso do público.” Dizendo de outra forma, o fato de ter sido impresso não significa que seja de boa qualidade ou que mereça ser lido. O interesse financeiro, independente da qualidade, acontece abertamente.
O gesto da leitura não é um gesto fácil. O gesto da escrita não é um gesto fácil. E em um contexto que é regido pela máxima de que uma “imagem vale mais do que mil palavras”, não é fácil competir com isso, sobretudo quando ela gera o engano de se achar que "imagem" e "palavra" competem entre si, quando, de fato, uma completa a outra. Neste sentido, uma leitura se torna significativa quando temos capacidade de refletirmos sobre o que foi lido. Além do mais, há leituras que precisam de uma preparação, precisamos das chaves para abrir e fechar cada página. Assim, a crítica em forma de conselho de Schopenhauer ainda possui a mesma vitalidade de quando foi escrita a mais ou menos uns 150 anos:

“Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados.”

A experiência da leitura tem a ver com o sentido que damos a essa leitura. Cada linha que lemos deveria nos remeter a linhas de vida. Deveriam funcionar como um mecanismo de desentrave – um mecanismo que vai abrindo novos territórios, nos desalojando, nos tirando da zona de conformo e nos fazendo pensar e ver de uma maneira totalmente outra. Se assim não for, digo, é uma leitura inútil.
Alexsandro
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Há uma gereção do conhecimento?

1. Será que se as crianças tivessem consciência do que os seus pais estão fazendo com elas hoje, elas aceitariam de bom grado? Será que elas ficariam felizes se tivesse consciência de que estão sendo educadas para se tornarem apenas alguém capaz de ser explorado pelo mercado?

2. Toda nossa educação tem como meta o mercado? É isso? Filas e filas de educadores enchem salas de aulas para fazer essa meta ser alcançada? Será que é desse tipo de educador que realmente precisamos?

3. A decadência da nossa cultura não é exatamente porque faltam educadores ou uma educação que vislumbre outras preocupações para além do mercado?

4. O que nossas escolas conseguiram fazer conosco até hoje não foi senão um adestramento violento, tornando um crescente número de homens e mulheres apenas qualificados para serem explorados pelo mercado. É mais disso que precisamos que nossas escolas façam com as crianças? Se for, não é a nossa visão realmente muito estreita?

5. Há no Brasil alguma escola que ofereça uma educação "nobre" para as crianças? Quando falo em educação nobre quero dizer, uma educação que não seja dirigida pela mediocridade do estado ou de um empresário. Nossas escolas estão entupidas, nossos professores sobrecarregados e tornados estúpidos. Por que isso não é um escândalo?
Alexsandro
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20/10/2010

Pode parecer estranho, mas professor tem que estudar

A crença na afirmação de que ser professor é um dom, não faz mais sentido. O magistério é uma profissão e, como todas as outras, requer empenho. Isso significa que professor não funciona por inspiração, professor tem que estudar e estudar muito. Professor que não estuda, que não lê, e quando digo ler, estou falando de boas leituras, leituras teóricas dos conteúdos, deveria comprar uma corda e se enforcar (opa! escapou), digo, deveria procurar fazer outra coisa.
No momento em que escrevo esse texto ( pouco depois da meia noite), um vizinho idiota passa com o som do carro a toda altura, fazendo todos nós ouvirmos uma música também idiota, provando para todo nós o quão idiota ele é, e eu fico me perguntando, quem educou esse idiota? Esse homem obrigatoriamente passou por uma escola, pode até ter feito um curso superior, e eu pergunto: o que saiu errado? Não sei. Podemos pensar em mil respostas, inventar mil desculpas, mas uma delas infelizmente tem a ver com o nosso tipo de educação escolar e com a formação dos professores que se encontram nessas mesmas escolas.
Somos parte de uma sociedade violenta, corrupta, ignorante e infeliz. As provas estão por todos os lados, basta abrir os olhos e olhar. Nossa cultura é um desastre. Nosso sistema de ensino é medíocre. Nossa política é suja. Nossa economia é um crime. O nosso modelo de família é um poço de neuroses. E a educação escolar que deveria servir para nos tornar melhores, pessoas melhores, não está fazendo isso. De fato, o que estamos testemunhando é um roubo. As escolas estão roubando a vida das crianças e dos adolescentes. A maior parte do tempo gasto na escola é puro desperdício. Troca-se a infância pelo que? Por algo muito ruim. Milhões de crianças têm gastado milhões de horas nas escolas para se tornarem o que? Um neurótico com diploma é a mesma coisa que um neurótico sem diploma. O estudo, no modelo como ele se apresenta hoje, é puro desperdício de tempo. O que nossos anos de estudos nos fizeram compreender? Quais as coisas realmente significativas que aprendemos, a ponto de mudarmos nossa forma de ver o mundo e sua complexidade? Ou, como dirá José Ângelo Gaiarsa: “O que restou em você depois de quinze anos de perda de tempo, sentado em uma cadeira, fazendo sabe-se lá o quê? Quinze anos de tortura e tédio, cujo conteúdo poderia ser aprendido em um ano, se alguém estivesse interessado nesse sentido.”
Alexsandro
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18/10/2010

As grandes feridas narcisicas

Foram três as grandes “feridas narcísicas” sofridas pela humanidade, segundo Sigmund Freud. A primeira, a perda de nossa ilusão de estarmos no centro do cosmos gerada pelas descobertas de Copérnico e o reconhecimento pleno do heliocentrismo; a segunda, a “degradante” descoberta darwiniana da evolução das espécies, que deu a nosso narcisismo a “má notícia” de que não somos criaturas saídas das mãos de um deus, mas meros descendentes dos primatas, macacos melhorados; e, em terceiro lugar, a própria psicanálise freudiana, que mostrou que “o ego não é rei em sua própria casa” e escancarou o quanto o comportamento humano é guiado mais por impulsos inconscientes e pulsões biológicas do que por princípios racionais.
Mas a ferida narcísica que o proprio Freud inflingiu talvez seja mais profunda do que ele mesmo previu: sua teoria a respeito da religião e das raízes da necessidade psicológica da fé também representam ferimentos severos à auto-imagem de todos os Narcisos que queriam continuar a crer que são os “favoritos da Criação” e que havia um “plano divino” dedicado a construir a felicidade humana… Como diz Freud numa frase inesquecível, dum pessimismo à la Schopenhauer, “somos tentados a pensar que não entrou no plano da ‘Criação’ a idéia de que o homem fosse feliz”…
A Natureza, para um ateu de lucidez tão implacável como era Freud, jamais foi vista através da névoa distorcedora do idealismo ou do antropomorfismo. A Natureza, para o Pai da Psicanálise, evidentemente não é criação de um Deus Onipotente, Bom e Sábio. Não é algo que esteja aí para nos “agradar”, nos deleitar, nos receber calidamente em seu seio. Nem está “do nosso lado”, pronta a atender nossos desejos e preces. Seria uma ilusão humanizá-la, sentimentalizá-la, “encantá-la” e supor nela intenções, desejos, desígnios e vontades. Para Freud, a Natureza, na verdade, é um imenso aglomerado de Forças e Energias que, em sua totalidade, escapa totalmente ao nosso controle. “Ela nos destrói, fria, cruel e incansavelmente”, aponta ele, antes de enveredar por exemplos ilustrativos:

“os elementos, parecem escarnecer de qualquer controle humano; a terra, que treme, se escancara e sepulta toda a vida humana e suas obras; a água, que inunda e afoga tudo num torvelinho; as tempestades, que arrastam tudo o que se lhes antepõe; as doenças, que só recentemente identificamos como sendo ataques oriundos de outros organismos, e, finalmente, o penoso enigma da morte, contra o qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será. É com essas forças que a natureza se ergue contra nós, majestosa, cruel e inexorável; uma vez mais nos traz à mente nossa fraqueza e desamparo, de que pensávamos ter fugido através do trabalho de civilização.” (O Futuro de Uma Ilusão, pg. 96)

Jacques Lacan, em seu Discurso aos Católicos, sublinhou que o pensamento de Freud, como já começamos a suspeitar, não concebe uma Natureza que possua “desvelos humanistas” ou que seja “sensível” aos sofrimentos e aos prazeres humanos. Ela é indiferente.

“Não, a reflexão de Freud não é humanista. Nada permite aplicar-lhe esse termo” (pg. 34), afirma Lacan. “A realidade física é totalmente inumana. (…) Sabemos o que cabe à terra e ao céu, ambos são vazios de Deus…” (pg. 40) Lacan sugere mesmo que à Freud “a própria dor parece-lhe inútil. Para ele, o mal-estar da civilização resume-se nisto: tanto sofrimento para um resultado cujas estruturas terminais são antes agravantes…” (pg. 34) [LACAN, O Triunfo da Religião, precedido de Discurso Aos Católicos. RJ: Jorge Zahar, 2005.]

Não importa o quanto a Civilização avance, pois, com seu séquito de novos conhecimentos científicos e novas tecnologias; a Natureza “inumana” está sempre presente como um poder superior e ameaçador, desencadeando tempestades, terremotos, tsunamis e chuvas de cometa capazes de, por vezes, reduzir à pó milênios de árduo trabalho humano ou mesmo extinguindo espécies inteiras de animais. Descobrir-se em meio a um mundo natural tão hostil certamente gera tormentos psíquicos e crises de valor, como Freud aponta: “A auto-estima do homem, seriamente ameaçada, exige consolação; a vida e o universo devem ser despidos de seus terrores; ademais, sua curiosidade pede uma resposta.” (O Futuro de Uma Ilusão, Os Pensadores, pg. 96)

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17/10/2010

Igualdade - um outro principio (II)

De fato, a igualdade entre nós pode ser representada por um único quesito: o quão insignificantes somos perante as forças da natureza.

Nataly

16/10/2010

Fraternidade - um outro principio

A noção de fraternidade deve ser pensada não mais a partir do conceito de cidadão, mas de espécie. Devemos nos perceber como mais uma espécie em um ecossistema e sermos fraternos com as outras espécies também.
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Igualdade - um outro principio

Os discursos que afirmavam que somos todos iguais não mais se sustentam, as diferenças entre nós existem, são muitas e precisam ser compreendidas.


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Liberdade - um outro principio

Outra idéia que caducou é a da nossa noção de liberdade. A velha formula que dizia que a liberdade de um começa onde termina a do outro, já não funciona. Outro principio se apresenta indicando que a liberdade de um só é possível com a liberdade do outro.
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O professor entre a evidência e a prudência

Qual deve ser o papel fundamental de um professor? Alguém dirá que é ensinar. Mas ensinar o que e em qual direção? Assim, quando nos deparamos com questões do tipo: Até que ponto considera a educação um instrumento para a formação de homens sábios e virtuosos? As perguntas que devemos fazer são: O que é um homem sábio e virtuoso? E para tanto, o que deverá ser ensinado? Quem vai ensinar?
Não é minha intenção responder tais perguntas, gostaria apenas de apresentar alguns pressupostos para discussão:

1. Cabe ao professor ensinar que aquilo que assumimos como verdade tem uma história que precisa ser conhecida, analisada, criticada e, em muitos casos, destruída.
Exemplo: Hoje em dia fala-se muito em sucesso. É um discurso tido como óbvio, como verdadeiro, pois é um assunto que vemos presente na mídia, nas escolas, nas conversas cotidianas. Muitos afirmarão que é sábio buscar sucesso em todas as áreas da vida, principalmente o profissional. Mas o que é sucesso? Para que serve sucesso?
Imaginemos alguém que foi de pobre a rico, de simples mortal a celebridade, de desempregado a diretor de empresa. O que tais mudanças provocam em alguém? Quais os efeitos que mudanças assim provocam nas pessoas? São só mudanças positivas? Não sei, de fato tenho cá minhas dúvidas. Alguém pode contestar dizendo que é melhor tomar antidepressivo dentro de uma Ferrari a ficar ouvindo piadas dentro de um ônibus. Tudo bem, podemos até concordar, mas essa anedota evidência o que queremos dizer aqui: que não há sucesso sem crise e que nem todos estão preparados para as mudanças que o sucesso traz. O pressuposto básico por detrás de afirmações sobre o sucesso é o de que todos estão aptos para viver tudo e qualquer tipo de experiência que o sucesso possibilita, mas não é assim. Nem todos estão preparados para o peso e as responsabilidades da nova posição. Assim, nem tudo que é apregoado sobre o sucesso é verdadeiro e cabe a nós professores sermos os primeiros a questionar o valor de tais afirmações.

2. Um professor deve trabalhar com evidências. Um professor deve aprender ele mesmo, antes de qualquer outra coisa, a trabalhar com evidências, com fatos. Entendendo por evidência tudo aquilo que pode ser usado para provar que uma determinada informação ou afirmação é verdadeira ou falsa. Buscar sempre evidências e argumentos para sustentar o dito, o falado.
Exemplo: Acima usei a noção de sucesso afirmando que se divulga e se propaga uma idéia totalmente equivocada do seu significado. Como posso evidenciar isso? Como posso provar minha afirmação? No espaço deste pequeno texto não tenho muita possibilidade de fazê-lo de forma correta e coerente. Usarei apenas os comentários do psicanalista Jorge Forbes a respeito do assunto como forma de validar meus argumentos.
Explicando como nossa sociedade deixou de ser guiada por valores que tinham nas “hierarquias verticais” seu ponto de apoio - a hierarquia dos mais velhos sobre os mais jovens, por exemplo - e que isso trouxe como conseqüência a falta de referências. Referências que eram usadas para encontrar respostas ou apoio para suportar uma angústia que se fazia presente, Jorge Forbes aponta que agora temos as angustias, mas não sabemos o que fazer com elas. Se até bem pouco tempo valiam as afirmações do tipo: "eu sou mais velho, sei do que falo", "sou mais experiente, siga meu exemplo", hoje tais afirmações já não possuem o mesmo significado. Já não temos o “mais velho” para nos guiar. E sem guia ficamos desnorteados.
"O resultado está aí: a série que deveria ser: descoberta, sucesso, fama, dinheiro, conforto e satisfação, tem sido: descoberta, sucesso, fama, dinheiro, mulheres, drogas, violências, desastres, prisão ou ostracismo. Podemos pensar em uma explicação paradigmática, além das particularidades de cada caso, o que o mais das vezes só anda tampando o sol com a peneira: foi o pai violento, a mãe alcoólatra, as más companhias, a péssima educação, o irmão psicopata, etc. Ocorre que a saída da pobreza e do anonimato para a riqueza e a fama, subitamente, gera uma forte crise de identidade. Ter sucesso é cair fora; na palavra sucesso, tem a raiz ceder, cair. Quem tem sucesso cai fora do seu grupo habitual de pertinência. Jobim não tinha razão quando dizia que o brasileiro não desculpava o sucesso, pois nenhum povo desculpa, só variam as maneiras de demonstrá-lo. A máxima de Ortega y Gasset ainda é válida: “Eu sou eu e a minha circunstância”. E quando a minha circunstância muda abruptamente, fica a pergunta profundamente angustiante: - “Quem sou eu?”, que fundamenta a crise de identidade. Aí, com freqüência a pessoa se aliena em uma identidade forjada, aquela que fica bem na fotografia, a máscara; surge assim o mascarado. Quantos e quantos jogadores de futebol não se transformaram em mascarados diante dos nossos olhos? E a coisa não pára por aí. A máscara não é suficiente para dominar a angústia causada pelo sucesso, vindo, em seguida, um sentimento terrível de ilimitação, de poder tudo. Quer alguma coisa, compra; quer um amor, toma; quer ter razão, impõe. Esse sentimento de quebra de fronteiras pede um basta que não raramente aparece da pior forma: no insulto, no acidente, na morte. Alguns têm a sorte de passarem por um desastre controlável e depois conseguem se recuperar, carregando beneficamente a cicatriz de sua desventura, mas muitos e muitos vão e não voltam.”

3. Se tivermos de falar em virtudes, falemos da prudência. Não há mal algum no exercício de alguém que sabe mais do que outro informar o que é preciso saber e fazer, enfim, ensinar. O problema se encontra no tipo de informação que é transmitida e na forma que essa relação acaba por se configurar, ou seja, quais os efeitos de dominação que aparecerão nessa relação. Efeitos de dominação que farão com que um menino ou uma menina sejam subjugados à autoridade arbitrária de um professor.
Alexsandro
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07/10/2010

Perto do Coração Selvagem

- O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina. A professora olhou para Joana.
- Repita a pergunta...?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
- Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
- Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? - repetiu a menina com obstinação.
A mulher encarava-a com surpresa.
- Que idéia! Acho que não sei o que você quer dizer, que idéia! Faça a mesma pergunta com outras palavras...
- Ser feliz é para se conseguir o quê?


Clarice Lispector

Mensagens de auto-ajuda

Aqueles que não se suportam culpam os outros pelo mal do mundo.

Já disse, para um idiota não existe argumento.

Qual o motivo de muitos não me entenderem? Entender seria descobrir-se errado e isso configuraria seu próprio inferno.


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Eu sou a minha queixa

É habitual que a expressão da queixa exagere em muito a dor, até o ponto em que a dor acaba se conformando ao exagero da queixa, aumentando o sofrimento. É comum as pessoas acreditarem tanto em suas lamúrias que acabam emprestando seu corpo, ficando doentes, para comprovar o que dizem.
A causa primordial de toda queixa é a preguiça de viver. Viver dá trabalho, uma vez que a cada minuto surge um fato novo, uma surpresa, um inesperado que exige correção de rota na vida.
oda queixa é narcísica.
Todo mundo se queixa o tempo inteiro. Do tempo: um dia do calor, outro dia do frio. Do trabalho: porque é muito ou porque é pouco. Do carinho: "que frieza" ou "que melação". Da prova: "dificílima" ou "fácil demais", E dos políticos, e da mulher, e do marido, e dos filhos, e dos tios, avós, primos; do pai e da mãe, enfim, de ter nascido. A queixa é solidária, serve como motivo de conversa, desde o espremido elevador até o vasto salão. A queixa é o motor da união dos grupos, é sopa de cultura social - quem tem uma queixa sempre encontra um parceiro. A queixa chega a ser a própria pessoa, seu carimbo, sua identidade: "Eu sou a minha queixa".
Jorge Forbes
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Sobre a decisão

Não podemos esperar que nossa decisão seja compreendida. Porque, se fosse compreendida, ela seria razoável, e aquilo que é razoável não é decidido no risco. Normalmente, aquilo que é razoável é chato. E aquilo que é decidido é apaixonante. A decisão se decide na paixão. Decisão e paixão estão juntas.
E aqueles que não conseguem se decidir ficam deprimidos. Nesse caso, a depressão é uma covardia diante da decisão. Por isso Lacan diz que, quando a pessoa cede em seu desejo, fica deprimida. A pior coisa que alguém pode fazer é estender um lenço de papel a um deprimido. Isso o solidifica em sua posição narcísica, de autopiedade.
A felicidade é uma responsabilidade humana. Não é para os covardes.
Para tomar a decisão, é necessário que a pessoa se pense. Só podem ter dúvida os sujeitos divididos. Assim, o primeiro aspecto sobre a decisão é que ela é vinculada à dúvida. O segundo aspecto é: gostamos ou não da decisão? Se fôssemos fazer uma pesquisa sobre o assunto, provavelmente mais de 90% das pessoas diriam que não querem tomar decisões. A linguagem é cheia de expressões para poupar alguém de decidir. A mais famosa é "seja o que Deus quiser", maneira clássica de não tomar decisões.
Temos horror da decisão porque toda decisão implica risco.

Nem todo mundo evita a decisão. Há quem goste dela. Os artistas e os poetas, por exemplo, gostam.

Jorge Forbes
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02/10/2010

“Professor, por que o senhor só fala de sexo?”

Procure visualizar a seguinte cena. Um professor qualquer passar dois meses falando cerca de 4 horas por semana, o que conta mais ou menos 32 horas, sobre coisa do tipo: a cristandade com sua sociedade homogênea e com uma cosmovisão estática e fechada devido a uma razão limitada por verdades teocêntricas. Depois engrossa o caldo com um pouco de renascimento, humanismo moderno, ciência moderna e segue apresentando os fundamentos filosóficos e políticos da modernidade - o sujeito e sua razão autônoma, o pensamento racionalista e individualista. Depois René Descartes e o tal do Cogito: “penso logo existo”. Empirismo inglês, Thomas Hobbes (o homem é o lobo do homem). Isaac Newton, Galileu, para tentar entender os motivos que nos levaram a tratar a natureza não mais objeto de medo e contemplação, mas como algo a mercê das nossas vontades. Nicolau Maquiavel, O Príncipe, o estado monárquico centralizado. Reforma protestante. Revolução Francesa. Os novos processos de produção que vão gerar a acumulação de capital. A revolução industrial. O pensamento liberal. Os processos que culminaram nas diferenciações presentes nas esferas sociais, políticas e econômicas da sociedade de mercado. A secularização das artes e das ciências. O aparecimento da cultura de massa. A crise da modernidade, a razão instrumental, a indústria cultural, o mercado, o ser humano transformado em objeto, a crise ambiental, miséria, fome, violência, guerra, solidão, depressão, império do lucro e do mercado. A razão moderna e as promessas não cumpridas de felicidade e prosperidade. A perda da fé na razão e vazio de sentido. O desencanto (tendo Weber como referência). Os mitos modernos, o progresso, a diversão, o consumo. A perda das referências históricas. A esquizofrênica busca do novo. A modernidade líquida de Bauman. A sociedade disciplinar de Foucault. Lyotard e a decomposição dos grandes relatos. A sociedade de consumo... Ai, no meio dessa salada de idéias e conceitos, o tal professor, em certo momento, cita Freud e seu conceito de desejo, com tudo que ele implica, para, em seguida, citar também Deleuze e como este conceituou o desejo de maneira diferente do de Freud. Não é que, para sua surpresa, de repente, sem a menor cerimônia, uma pergunta ecoa no ar da sala: “Professor, por que o senhor só fala de sexo?”


Qual a resposta mais adequada que se pode oferecer a uma criatura numa situação assim configurada? Não sei vocês, mas eu tomo o partido da filosofia do palavrão cunhada por Olavo de Carvalho.


A sociedade da decepção - Gilles Lipovetsky

A sociedade da decepção é o título de um dos livros de Gilles Lipovetsky e o tema central é o que o próprio título indica: como a decepção se tornou uma das marcas distintiva da nossa experiência.
Abaixo segue uma citação do livro no qual ele surpreende ao afirmar que nos decepcionamos nem tanto por desejamos os bens materiais que os outros possuem e não podemos ter. Superamos essa fase ou estamos em vias de superar, no entanto, ainda continuamos a desejar (ou invejar) bens não-comercializados (aquilo que o dinheiro não compra). "A inveja provocada pelos bens não-comercializáveis (amor, beleza, prestígio, êxito, poder) permanece inalterável".


"Ao fim e ao cabo, o mau uso dos bens públicos desperta mais indignação do que o uso de bens particulares. Com efeito, de que os consumidores se queixam mais freqüentemente? Dos engarrafamentos de trânsito, das praias superlotadas, do processo de descaracterização da paisagem natural por obra das construtoras de edifícios ou da invasão de turistas, da repugnante promiscuidade nos transportes coletivos, do barulho dos vizinhos, etc. Em outras palavras, o que gera decepção não é tanto a falta de conforto pessoal, mas a desagradável sensação de desconforto público e a constatação do conforto alheio.
Não surpreende, portanto, que seja no âmbito dos serviços, baseado no relacionamento entre as pessoas, que a decepção é mais freqüente. Manifestações de crítica são muito comuns contra o corpo docente das instituições de ensino, contra o mau funcionamento da Internet, contra o despreparo da classe médica...
Mas, em outra perspectiva, entretanto, convém não esquecer que, diferentemente do que ocorria no passado, os elos entre as pessoas e a esfera do consumo estão cada vez mais entranhados. Muito daquilo que compramos, não o fazemos com a finalidade de granjear a estima deste ou daquele, mas sobretudo visando a nós mesmos, isto é, tendo como objetivo aperfeiçoar os nossos meios de comunicação com o semelhante, melhorar o desempenho físico e a saúde do corpo, buscar sensações vibrantes e variadas formas de emoção, vivenciando experiências sensitivas ou estéticas. É nessa acepção que o espírito de consumo em benefício do outro, típico das antigas sociedades de classe, retrocede, dando lugar ao consumo para si. Em resumo, o consumo individualista emocional assume agora a dianteira em relação ao consumismo ostentador de classe. Simultaneamente, a tendência dominante é aceitar com maior naturalidade que outros possuam algo que não temos, porque a atenção de cada indivíduo está hoje mais voltada para a sua própria experiência íntima do que para o desempenho dos demais. Ao contrário dos primórdios da era democrática, que muito contribuiu para a disseminação do sentimento de inveja, na atual fase do hiperindividualismo consumista, muito mais raramente nos deparamos com aquele indivíduo que se dilacera interiormente por falta de poder aquisitivo para comprar o mesmo automóvel de alta qualidade do vizinho. A inveja provocada pelos bens não-comercializáveis (amor, beleza, prestígio, êxito, poder) permanece inalterável, mas aquela provocada pelos bens materiais diminui."
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A sociedade da decepção - Gilles Lipovetsky

A decepção é uma experiência humana universal desde sempre. Nas sociedades antigas, ela era restrita. Primeiro porque o desejo era mais limitado, existia uma cultura da resignação, resumida na expressão “é a vida”. E, depois, havia a religião, que limitava a decepção. A sociedade moderna fez explodir o sentimento da decepção. A democracia abriu o desejo das pessoas. Ela cria frustrações porque não suporta a desigualdade. E a era hipermoderna, que vivemos hoje, acelerou mais ainda a decepção, que agora está em todos os lugares, em todos os níveis sociais. Na política, por exemplo. As pessoas, em todos os países, estão sempre decepcionadas com a política. Com a globalização, não há mais a esperança revolucionária. É a era do direito do homem, e este é sempre inferior ao desejo. A escola. Antes ela tinha a virtude de permitir a ascensão social. Mas hoje temos jovens muito qualificados que trabalham em coisas que não correspondem a essa qualificação – e isso gera decepção.
As pessoas podem até se declarar felizes, mas isso não significa grande coisa. Há outros indicadores como a ansiedade no trabalho e com os filhos, taxas de suicídio e casos de depressão e dependência, que mostram como a sociedade de bem-estar é uma sociedade de frustrações. Depois dos anos 60, desenvolveu- se a idéia de que o consumismo cria a decepção porque mostra o que você não vai ter. Ou que você seria forçosamente frustrado porque, quando tem uma coisa, já sonha com outra, como se isso levasse a pessoa a uma decepção permanente.
O consumo de bens materiais não é tão produtor de decepções. Os objetos têm um valor pela novidade. Não é porque você não tem um Jaguar que o seu carro modesto não o satisfaz. Você pode gostar da sua casa, sem que ela seja um castelo. O consumo cultural é o que decepciona. Veja, por exemplo, a televisão. Ela é feita para ser um espetáculo, mas se você fica zapeando é porque o espetáculo não o satisfaz. O zapping é uma permanente decepção. A decepção mais forte, mais intensa, a mais cruel é a que você tem com outras pessoas. Então se engana quem culpa o consumo pela infelicidade. O que dá frustração é a individualização do mundo, é a relação com os outros e consigo mesmo.
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