26/10/2010

A inteligente arte de não ler

Gosto muito de um pequeno artigo que li já faz um tempo - "Os cinco livros que mais me influenciaram". Ele é de fato uma entrevista na qual Derrick Jensen falar sobre livros e leituras. Interrogado sobre qual livro o fez perceber que alguma coisa estava errada com o planeta, o sistema político, o sistema econômico, etc. Assim respondeu ele:

Não foi um livro. Foi a destruição de lugar após lugar que eu amava. E foi a completa insanidade de uma cultura onde tantas pessoas trabalham em trabalhos que elas odeiam... A própria cultura me convenceu de que alguma coisa estava errada, ao ser tão extraordinariamente destrutiva da felicidade humana, e, muito mais importante, do próprio mundo.

O que ele quis dizer? Na continuação de sua argumentação ele nos faz entender, entre outras coisas, que não é qualquer leitura que faz bem ou que vale a pena. Fazer todo mundo ler pode parecer uma atitude correta, mas depende muito daquilo que será lido, caso contrário, não vai fazer muito diferença. Enfim, de nada adianta trocar o analfabetismo por outra visão estreita do mundo. Uma “boa formação” (e eu não tenho certo o que isso significa) depende também do que se lê. Por exemplo, citar um livro como "O Código Da Vinci" como referência de boa leitura não me parece uma boa postura. Tal questão já nos remete a uma arte muito estranha e pouco falada: a arte de não ler. É o filósofo Schopenhauer quem dirá:

"... no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, com panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para tolos sempre encontra um grande público..."

Após fazer essa dura crítica, ele sugere que por conta do nosso pouco tempo, devemos voltar nosso interesse

"para as obras dos grandes espíritos de todos os tempos e de todos os povos, para os homens que se destacaram em relação ao resto da humanidade e que são apontados pela voz da notoriedade. Apenas esses espíritos realmente educam e formam os demais."

A preocupação aqui é com o fato simples que muitas vezes esquecemos, qual seja, ler livros ruins emburrece. Sobretudo quando temos claro que muitos daqueles livros só foram escritos para serem vendidos, pouco importando seus conteúdos. Ou como ele diz em forma de crítica a esse mercado editorial: “Nove décimos de toda a nossa literatura atual não possui outro objetivo senão o de extrair algum dinheiro do bolso do público.” Dizendo de outra forma, o fato de ter sido impresso não significa que seja de boa qualidade ou que mereça ser lido. O interesse financeiro, independente da qualidade, acontece abertamente.
O gesto da leitura não é um gesto fácil. O gesto da escrita não é um gesto fácil. E em um contexto que é regido pela máxima de que uma “imagem vale mais do que mil palavras”, não é fácil competir com isso, sobretudo quando ela gera o engano de se achar que "imagem" e "palavra" competem entre si, quando, de fato, uma completa a outra. Neste sentido, uma leitura se torna significativa quando temos capacidade de refletirmos sobre o que foi lido. Além do mais, há leituras que precisam de uma preparação, precisamos das chaves para abrir e fechar cada página. Assim, a crítica em forma de conselho de Schopenhauer ainda possui a mesma vitalidade de quando foi escrita a mais ou menos uns 150 anos:

“Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados.”

A experiência da leitura tem a ver com o sentido que damos a essa leitura. Cada linha que lemos deveria nos remeter a linhas de vida. Deveriam funcionar como um mecanismo de desentrave – um mecanismo que vai abrindo novos territórios, nos desalojando, nos tirando da zona de conformo e nos fazendo pensar e ver de uma maneira totalmente outra. Se assim não for, digo, é uma leitura inútil.
Alexsandro
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