08/05/2012

Nietzsche e a Morte de Deus

Assim afirmou Nietzsche:


Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje!

    (NIETZSCHE. A Gaia Ciência)





Partindo do anuncio de Nietzsche pudemos constatar que após a morte de Deus vimos nascer a religião dos adoradores do bezerro de ouro. Deus está morto e no seu lugar foi colocado o bezerro de ouro. Tal fato não diz mais respeito à teologia, ela não tem mais nada para nos dizer sobre Deus ou sobre nossa relação com ele, trata-se de uma questão moral, e em última instância, ética. Deus como princípio moral praticamente desapareceu da vida diária, por mais que seja invocado. Deus está morto e agora adoram o bezerro de ouro - afinal quase todos os projetos humanos se fixam em como conseguir dinheiro. As aleluias são para o dinheiro. As graças são por sua presença. Amaldiçoado é o dia no qual ele falta.

A morte de Deus é o evento mais emblemático do nosso tempo. Os crentes dirão que o mal que assola o mundo se deve ao fato de termos abandonado Deus. Os ateus dirão que já não era sem tempo, que o mal saiu de Deus. O problema agora é: como encarar uma vida sem Deus? Como encarar a vida no abandono? Como encarar o deserto do real? Como ser um estrangeiro órfão numa terra sem referências?
Bem, de fato não há deserto. Que deus esteja morto não há dúvida. Mas achar que a falta de sua presença nos deixou em um mundo deserto é ainda dar-lhe vida: considerar a realidade desértica é ainda considerar a possibilidade de um paraíso. Mais: na lamentação podemos também estar invocando que Deus volte e isto é extremamente perigoso - é também lhe dar vida. O que assistimos, de fato, é a abertura de um mundo de possibilidades.

Alexsandro

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Observação

"Deus está morto" é talvez uma das frases mais mal interpretadas de toda a filosofia. Entendê-la literalmente, como se Deus pudesse estar fisicamente morto, ou como se fosse uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda como uma simples declaração de ateísmo são ideias oriundas de uma análise descontextualizada da frase, que se acha profundamente enraizada na obra nietzscheana. O dito anuncia o fim dos fundamentos transcendentais da existência, de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas — segundo o filósofo, mesmo que estas não o queiram admitir. Nietzsche não se coloca como o assassino de Deus, como o tom provocador pode dar a entender: o filósofo enfatiza um acontecimento cultural, e diz "fomos nós que o matamos".

A frase não é nem uma exaltação nem uma lamentação, mas uma constatação a partir da qual Nietzsche traçará o seu projeto filosófico de superar Deus e as dicotomias assentes em preconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo — na opinião do filósofo, o único existente — a partir de um outro mundo superior e além deste. A morte de Deus metaforiza o facto de os homens não mais serem capazes de crer numa ordenação cósmica transcendente, o que os levaria a uma rejeição dos valores absolutos e, por fim, à descrença em quaisquer valores. Isso conduziria ao niilismo, que Nietzsche considerava um sintoma de decadência associada ao facto de ainda mantermos uma "sombra", um trono vazio, um lugar reservado ao princípio transcendente agora destruído, que não podemos voltar a ocupar. Para isso ele procurou, com o seu projecto da "transmutação dos valores", reformular os fundamentos dos valores humanos em bases, segundo ele, mais profundas do que as crenças do cristianismo.