15/11/2010

A leitura como arte do silêncio



Há pouco chegou em minhas mãos um livro que, entre outras qualidades, possui uma poesia e delicadeza fenomenal, mas não menos áspero e cortante. Refiro-me à "Nietzsche e a Educação" de Jorge Larrosa . Nele Larrosa dança, canta, pulsa, grita Nietzsche por todas as páginas. É uma escrita invejável. E é com esse sentimento de inveja que escrevo agora.
Em um dos capítulos do livro, intitulado “Ler em direção ao desconhecido. Para além da hermenêutica”, Larrosa descreve a experiência da leitura em Nietzsche: que tipo de leitor o Nietzsche espera para seus livros, como se devia lê-los, como usar todo o corpo na leitura, como dançar com os seus livros. Citando trechos de livros de Nietzsche, Larrosa aponta que este “exige para si mesmo ‘leitores perfeitos, filólogos rigorosos’, pessoas capazes de ler devagar, com profundidade, com intenção profunda, abertamente e com olhos delicados”. Claro que não é minha intenção tentar aqui interpretar ou discutir as implicações dessas exigências de Nietzsche apontadas por Larrosa. Desejo apenas apontar quão diferentes leitores seriamos se fossemos o tipo de leitor que Nietzsche esperava para seus livros.
Larrosa escreve dizendo que Nietzsche

"Sabe que a arte da leitura é rara nesta época de trabalho e de precipitação, na qual temos que acabar tudo rapidamente. Os “leitores modernos” já não têm tempo para esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se vêem com clareza, e das quais não podem colher imediatamente os resultados. Para eles, profissionais da leitura, o trato com os livros é, quando muito, um meio ‘para escrever uma resenha ou outro livro’, isto é, uma atividade na qual o que se lê é meramente apropriado em função de sua utilização apressada para a elaboração de um outro que deverá, por sua vez se consumir rapidamente."

Em outro momento Larrrosa (Nietzsche) diz:

"O leitor moderno está tão crente de “sua pessoa e sua cultura” que se supõe a si mesmo “como uma medida segura e um critério de todas as coisas”; é tal sua arrogância que se sente capaz de julgar – isso sim, criticamente – todos os livros; ele é constitutivamente incapaz de suspender o juízo, de guardar silêncio, de manter-se retirado, de escutar. Será que é isso que se ensina nas escolas? Em nossas escolas, incluindo as universidades, já não se ensina a estudar. O estudo, a humildade e o silêncio do estudo, é algo que nem sequer se permite. Hoje, já ninguém estuda. Mas todo mundo tem que ter opiniões próprias e pessoais. Os jovens pitagóricos tinham que guardar silêncio durante cinco anos. Mas nós, leitores modernos, parecemos incapazes de permanecer calados sequer durante cinco quartos de hora.”

Assim, como falei acima, quero intencionalmente plagiar Nietzsche (Larrrosa) no sentido de apontar as qualidades de um leitor ideal:
- deve possuir um espírito de profundidade, abertura e delicadeza;
- deve conhecer o segredo de ler nas entrelinhas;
- não deve permanecer na literalidade do texto, e
- que, sobretudo, pratique a arte venerável da leitura, o saber tornar-se silencioso e pausado.
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Alexsandro
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