20/06/2014

Um lugar para os adultos – Infância e liberdade

O texto vai para meu sobrinho Tales (de 7 anos) 
que inaugurou sua carreira como filosofo com a seguinte reflexão:
"Pai, como ocorreu isso de surgir o nome das coisas? 
Acho que talvez tudo nem tem nome, é nós que 
inventamos  um nome para aquela coisa sem nome".



Os adultos não param de querer encontrar um lugar para infância, não param de querer determinar quais são os lugares devidos para experiência da infância, não param de querer definir o que é a infância. É nesse sentido que a figura da infância encontra-se carregada de clichês e estereótipos. Fruto de um adulto geralmente cansado de si mesmo, pesado por carregar o mundo em suas costas, condicionado pela época e pela cultura (capitalista, no nosso caso), tais figuras, em sua maioria, definem a infância como a matéria-prima para modelagem de um futuro adulto, geralmente pensado como sendo melhor do que o adulto que aí se encontra. A partir daí, todo um conjunto de aparatos foram e são pensados e usados no processo de modelagem da infância: escolas, pedagogias, psicologias, investimentos, políticas, assistências, arranjos e mais arranjos, para fazer com que as crianças cheguem a ser adultos felizes.
Há várias figuras e imagens que são associadas à infância. Uma delas geralmente associa infância com liberdade. Se pensarmos a imagem da infância como experiência da liberdade, só podemos empreendê-la de fato e seriamente, se entendermos o encontro da liberdade com a infância como o momento no qual não se precisa criar coisa alguma, como um momento de pura esterilidade, nenhuma pressão interior ou exterior para se fazer coisa alguma, para se ser coisa alguma, nenhum projeto, nada para conquistar, nenhum lugar para ir, nenhum movimento a ser feito, nada para ser criado, nada para ser destruído. De saída, percebe-se que se um adulto quer viver assim, logo ele é comparado a um louco. Daí que para se ser adulto, silencia-se a infância e distancia-se da liberdade.
Que tal se fizéssemos um exercício ao contrário: propor um lugar para os adultos tendo a infância como referência. Pensar não para que a criança venha a ser o adulto do futuro, mas para que o adulto possa a vir a ser a criança do amanhã. Partamos do pressuposto que afirmar que as definições da infância criadas pelos adultos se devem ao fato destes se encontrarem inquietos diante do mundo, atormentados pelo mundo, tormento que é fruto do aprendizado dado pelo mundo e tal relação com o mundo seria a causa do amadurecimento tão associada à figura do adulto - o adulto é alguém maduro. Se assim é, por que não, tal qual uma criança, abrir espaço para a imaturidade em um mundo de não formação? Por que ao invés de ensinarmos as crianças, não fazemos com que os adultos desaprendam?
É uma violência pensarmos a infância como vinculada a um progresso, como algo que passará e nunca mais será recuperado ou que podemos moldá-la para que se torne o adulto que não conseguimos ser. É uma violência projetarmos na infância um futuro inalcançável ou desejar por meio dela a recuperação de um paraíso que o adulto perdeu. Como diz Jorge Larrosa: “a criança não é nem antiga nem moderna, não está nem antes nem depois, mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem genético, nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente inatual, intempestivo...” Que os adultos parem de querer encontrar um lugar para a infância, parem de querer determinar quais são os lugares devidos para a experiência da infância. É triste constatar que a infância só é experimentada como liberdade nos intervalos em que o adulto não está por perto ou quando este morre.


Alexsandro


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