19/04/2014

O doce sabor do não entender





Vamos fazer um exercício de pensamento... A presença de deuses na história humana deriva de vários fatores, mas dois dos elementos principais para criação de deuses foram e são o medo e a necessidade de sentido para vida (viver para o nada parece estranho), mesmo que este sentido contenha alguma forma de dominação, ou seja, me submeto a algo, mas ganho um sentido para viver. Vamos pensar, por exemplo, o deus judaico-cristão. Quando analisamos seus atributos - Onipotência, Onipresença e Onisciência - percebemos que eles amarram os principais elementos da vida humana, ou seja, eles dão respostas e suportes para o medo e o sentido para vida pois trabalham com uma fórmula perfeito, qual seja, consegue unir poder e saber em uma só criatura – o poder para resolver o problema da morte e o saber que conteria as respostas para o sentido da vida.
Por sua vez pensar a Humanidade através da Evolução deixa para nós o problema de resolver o medo e o sentido da vida.
Nós somos natureza, a natureza se encontra em nós. Fazemos parte dela e ela de todos nós. Assim se move em nós o desejo de nunca se desligar dela. Queremos com ela estar conectados o tempo todo. Só que isso exige muito empenho de todos nós, exige uma potencia de criação tremenda, demanda todo nosso tempo. Viver passa a significar estar vivo e ter de inventar tudo para que a vida ganhe significado, sabendo que qualquer que seja o significado ele será artificial, ficcional e sem justificativa transcendental, sobrando apenas o desejo de querer permanecer na natureza e realizar-se nela e por ela em um exercício de potenciação de si e empoderamento de si constante. Logo, pensar a Humanidade através da Evolução tem muito mais heroísmo humano do que pensá-la por via da Criação. Talvez até mesmo seja por isso que não se deseja que as pessoas conheçam essa história. Pois é bem possível que quanto mais as pessoas tiverem conhecimento de quanto somos capazes de feitos incríveis, talvez mais elas desejem se libertar de seus opressores. (Aqui entra em questão a relação opressor X oprimido que não é uma relação fácil de ser entendida - qualquer um pode fazer parte tanto de um grupo quanto do outro, sem contar o fato de que a opressão pode ser desejada -e sempre é - e se encontrar camuflada nos discursos que, em aparência, são libertadores.)
Para aqueles que foram, que estão e que serão oprimidos (e todos nós corremos o risco) vale ter em mente como é o doce sabor da estupidez do não entender, como bem disse Clarice Lispector:

E era bom. 'Não entender' era tão vasto que ultrapassava qualquer entender - entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levara ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.
Alexsandro