22/09/2009

Do macaco à vergonha de ser um homem


É Mário Quintana que diz: “O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.” Pensando nessa frase faço referência a uma outra dita por Primo Levi diante do holocausto nazista e como se sentiu frente a tamanho horror: "A vergonha de ser um homem". Duas frases extremamente graves naquilo que afirmam. 
A primeira me leva a pensar sobre aquilo que estamos nos tornando, ou mesmo que já somos. Mas o que estamos nos tornando ou já somos à vista de um macaco? Claro que a referência ao animal macaco é apenas um recurso poético, uma expressão que visa criar um efeito e gerar uma sensação. Ao ler Mario Quintana penso, sobretudo, no presente particularmente estreito a que estamos submetidos. Um estreitamento tal que pode, se já não o fez, representar a morte do porvir, a nossa própria morte como humano – entendendo a relação do humano com o porvir como sendo o da nossa abertura com aquilo que se abre ao tempo, da nossa relação com aquilo que não tem medida prescrita, como aquilo que nos faz assumir nossa finitude, com aquilo que nos pode levar para além daquilo que somos, com aquilo que pode nos tornar melhores. Daí às questões: o que estamos fazendo de nós estar nos tornando melhores? O que ainda podemos fazer para nos tornarmos melhores?
Diante destas questões aparece a segunda frase, não como resposta, mas como condição básica na apresentação de uma resposta. Ou seja, qualquer resposta que venhamos a dar deve trazer a seguinte condição, qual seja, a de não nos fazer sentir a vergonha de ser um homem (ou mulher).
Tal vergonha não pode ser confundida com o sentir-se culpado ou o sentir-se vítima. Com “a vergonha de ser um homem” antevejo outras questões: como posso me tornar melhor mantendo-me em silêncio diante do mundo? Como posso me tornar melhor ficando quieto diante do mundo? Como posso tornar o mundo melhor se me resigno aos outros? Como eu, que não me sinto um culpado ou uma vítima, posso pactuar tanto para fazer sobreviver tantas coisas que são repugnantes para condição humana? Como disse Deleuze: “Nós não paramos de aprisionar a vida, de matar a vida...” Isto deveria nos enlouquecer, isto deveria nos envergonhar de sermos homens (e mulheres).


Alexsandro