16/06/2010

A cova torna todos iguais



A arte não tem a função de salvar nada nem ninguém, ela não possui um significado por si, para que ela adquira sentido devemos valorá-la. Sendo assim, gosto de entender a arte como algo que deve ser fonte de vida e de força, não de fraqueza e coisas melosas.
Em tempos de criminalização da miséria pelo estado, em um momento no qual a mídia e grande parte dos artistas servem apenas a eles mesmos, nos bate na cara obras que possuem uma riqueza de imagens e significados. Assim é "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955. Bonito e triste. Um enredo que mistura crueldade, pobreza e desigualdade social. Cada um entenda como desejar ou puder. Para mim o João Cabral usou um tema agrário pra pensar tragédias humanas.



O livro foi musicado por Chico Buarque de Hollanda em 1965 e 1966. "Funeral de um lavrador" é aqui interpretado por Chico Buarque e MPB4.



Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É a terra que querias ver dividida

É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
estarás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo
Porém mais que no mundo te sentirás largo

É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca.


.