24/08/2012

Somente a realidade


Parte da experiência que homens e mulheres vivem hoje, em sociedades parecidas com a nossa, encontra-se delineada por metas que mais impossibilitam do que favorecem uma tal vida boa que tantos buscam (seja lá o que isso signifique). Sendo que o mais estranho é que se tais metas forem varridas da face da terra nada ou muito pouco restará a que se apegar para produzir algum sentido significativo. É neste ambiente que a palavra 'realidade' nada significa. Muitos já perceberam o preço que estamos pagando por agirmos assim. Amauri Ferreira não deixa por menos ao lançar na nossa cara a lembrança de que a vida se realiza por meio do corpo em um espaço e tempo que nos afeta e que nos marca com vida. Vida que traímos ao nos deixarmos conduzir por ventos que não sopram.
É na realidade que a vida acontece. Quando a sujeira do ideal ascético é varrida para longe, o que fica é a pureza do corpo e a sua capacidade de ser afetado e de afetar; é o corpo que pode, ou não, ser afirmado. Ao negar a capacidade do corpo de ser afetado, nega-se a sua modificação, pois o sujeito agarra-se a um "eu" imutável - mas, apesar disso, a modificação do corpo segue existindo. O problema é a qualidade dessa modificação, já que a crença no ideal continua a produzir realidade (no fundo, é a própria natureza no homem que a produz). Uma modificação ignóbil, com certeza. Mas ao afirmar a capacidade do corpo de ser afetado, a modificação é bem-vinda, e não demonizada. A modificação se torna nobre, vira uma composição, motor ininterrupto de novas produções.


Alexsandro