19/03/2010

Não sabemos o que fazer com o mal e com a violência


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O que fazer com a violência? De onde vem tanto mal? São duas das questões mais importantes com a qual nos deparamos ultimamente. Sua importância cresce quando nos damos conta que não temos uma resposta satisfatória para nenhuma das duas.
Nosso ritmo de vida é instável, intranqüilo, inseguro, desconfortável, estamos a ponto de desmoronar. Acontecimentos traumáticos passaram a ser a regra. Tranqüilidade é uma exceção. Como chegamos a este estado de coisas? Como deixamos florescer uma sociedade pontilhada por tantas relações perversas?
Vivemos uma época contra-utópica. Nossos sonhos e projetos individuais são uma demonstração clara do nosso fracasso enquanto coletividade. Não sabemos conceber a vida para além das paredes de nossas casas (para os que têm casa). Usamos como desculpas para apaziguar nossa angústia séries e mais séries de conquistas tecnológicas. Festejamos tais conquistas como uma vantagem do nosso ímpeto insaciável e sempre a procura de mais. Não percebemos que o que acontece de fato é uma impossibilidade de nos encontrarmos satisfeitos, que perdemos completamente qualquer noção de limite, seja ele ético, moral, econômico, político ou estético.
Repito, somos a contra-utopia de uma sociedade vivida coletivamente. A prova é o florescimento da sociedade de consumo, do consumidor e seus desejos irrealizáveis. Nós nos encontramos em um tipo de sociedade que nos promete de tudo, mas, que ao mesmo tempo, tudo nos nega, sobretudo se não formos consumidores vorazes.
Nosso estilo de vida foi em parte construído tendo como um dos seus pilares a esperança no futuro. Assistimos, talvez, ao fim desse sonho quando percebemos que nossa capacidade de imaginar um mundo, não apenas melhor, mas diferente, se tornou uma tarefa imensamente difícil.
A explosão cotidiana de violência, seja nas grandes ou nas pequenas demonstrações, é indicador da nossa atual impossibilidade de construir, nem tanto um futuro, mas um presente que nos seja satisfatório. Não se tem ao certo uma definição e uma clareza do que de fato toda essa explosão de violência significa. Um clima de imprecisão quanto ao seu sentido faz do nosso tempo uma época caracterizada pela ausência de definição do que seria o mal. O vemos, o sentimos, o vivemos, mas não somos capazes de combatê-lo. E essa incapacidade revela nossa fragilidade.
Nossa violência não possui uma contrapartida, não sabemos lutar contra ela, não sabemos como amenizá-la. Ela não se apresenta como um estágio no qual precisamos passar para chegarmos a algo melhor. É uma violência que só leva a mais violência. Não há uma distinção clara e plausível entre os violentos e os não violentos. Testemunhamos um estado de indefinição, de ambigüidades, presentes no cotidiano, de oposições gratuitas, de violências sem direção, que se expressam das mais diversas formas, acabando por criar situações às vezes insuportáveis para alguns ou para muitos.
Alguns constroem abrigos para se proteger do mundo exterior (os condomínios fechados estão virando uma estranha necessidade sob o argumento da segurança) e, do outro lado, aqueles que se encontram a mercê da insegurança e da impossibilidade de ter alternativa, para estes não resta outra saída que a de encarar a realidade que se apresenta. Se em outros momentos os muros foram usados para proteção de todos contra aqueles que vinham de longe, contra os estranhos de outras terras, contra aqueles que falavam línguas estranhas, agora ele protege do estranho que fala a mesmo língua, vive na mesma cidade, talvez coma até o mesmo tipo de comida, vista o mesmo tipo de roupa, freqüente a mesma igreja ou coisa parecida. Somos, vivemos e formamos um mundo de estranhos entre nós. E esse não reconhecimento do outro gera e estabelece relações cínicas, distantes, superficiais, em que uma das prerrogativas principais é não se deixar envolver por esse outro que não se reconhece.
Para conter a onda de perversidade e maldade alguns clamam por mais leis, mais regras sociais, mais força repressiva, mais rigidez no trato com os “desajustados”, os “perigosos”, os “ameaçadores”, os “malvados”. Mas, no limite extremo, precisamos explicar de onde vem tanto mal, ele não pode ser gratuito. Mas aí nossos discursos fracassam. Não temos uma explicação plausível que convença e que indique um caminho que nos proteja de tanto mal. Fracassamos em explicar o mal, fracassamos em lidar com o mal. Fracassamos.
E nesse limite um cenário trágico se esboça: um cenário no qual violência e medo se misturam, se tornam os ingredientes que temperam a existência dos indivíduos. Neste cenário muitos acabam buscando no recolhimento de suas experiências respostas para as questões do mundo e do mal, mergulham, então, no universo do “auto” - auto-inspeção, autoproblematização, auto-realização, auto-monitoramento, auto-avaliação, auto-recuperação, auto-ajuda, etc. O irônico é que ao proceder assim o indivíduo acredita que está realmente determinando sua vida, que está livremente escolhendo, que essa será a melhor opção possível para ele.
Consumo e recolhimento tornam-se as balizas para esse indivíduo. Os seus sonhos passam pela possibilidade de consumir algo. Seu recolhimento significa de fato abster-se do mundo, torna-se, neste sentido, imperceptível, invisível, intocável. Neste clima só cabe a ele esperar que alguma solução para o problema da maldade caia do céu ou de onde quer que seja – o perigo aqui é que este sujeito quase sempre se encontra pronto para aceitar qualquer tipo de solução, até mesmo as mais fascistas e totalitárias.
A questão quanto ao que fazer com a violência e, quem sabe, a resposta sobre como superá-la, só pode advir, só pode ser entendida, só pode ser discutida com a ampliação de nossa compreensão do que ocorre em nossa sociedade e de como ela funciona, e tal tarefa é urgente. Mas não podemos medir o que se passa a partir de uma perspectiva tosca e medíocre. Para aqueles que só vêem “o lado bom” faz-se necessário um alerta: tal otimismo pode ser fruto exatamente de um afastamento do mundo, de um recolhimento frente às questões do mundo. Já para aqueles que não vêem saída, para aqueles que acreditam que estamos próximos do fim, lembro que é preciso estabelecer novas metas, ou mesmo acabar com todas as metas, principalmente aquelas oriundas de uma sociedade que inviabiliza qualquer ação de conjunto, que sufoca qualquer sentido ou perspectiva que não aquelas do mercado e do consumo.

Alexsandro A. Oliveira


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