10/07/2011

A Ordem e a Diferença

Em um mundo como o nosso, como lidar com os problemas? Violência pelas ruas, fundamentalismo e intolerância racial e/ou religiosa, delinqüências dos mais variados tipos... Uma sensação angustiante de insegurança: as ruas como um campo de batalha (saio, não sei se volto), tráfico, militarismo, epidemias, desemprego, trabalho escravo e outros mais... Em uma sociedade assim, quem não sonha com ordem?
Mas como estabelecer ordem em um mundo recheado de diferenças, em um mundo cheio de interesses no mais das vezes conflitantes? Como conciliar as diferenças? Como estabelecer uma relação com elas? Devemos reconhecer que existem aqueles que se enquadram perfeitamente a certa lógica de funcionamento das coisas, mas que existem também aqueles que não se encaixam a modos de existências impostos por certa conjuntura social. Só esse fato já demonstra a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se estabelecer uma ordem total valida para todos. Sobretudo se essa ordem significar tornar todos um só, fazendo existir apenas uma forma de compreender o mundo, uma forma de encarar a vida, uma forma de oferecer sentido a vida, com todos acreditando nas mesmas coisas, fazendo as mesmas coisas e sempre do mesmo jeito. Em um mundo que deseja ordem (se é que realmente deseja), o maior empecilho passa a ser a diferença, principalmente a diferença expressada pelo outro, pelos outros. O outro que não compreende o mundo como compreendo, o outro que encara a vida de outra forma, que busca outro sentido para a vida, que acredita em outras coisas, que faz outras coisas de outro jeito.
Em um mundo como o nosso, em uma sociedade como a nossa, as pessoas, as relações, os acontecimentos, as formas de pensamentos, as mentalidades, as expressões culturais não se ajustam com perfeição, não se harmonizam com facilidade, nem tudo se enquadra, nem todos se conformam, abrindo um leque de dificuldades para um equilíbrio e harmonização diante da complexidade existente, qual seja: as diferenças se expressam.
Sonhamos, talvez, com um mundo perfeito, com pessoas perfeitas, uma sociedade da harmonia e da pureza, um paraíso encarnado. A história do homem se encontra cheia de propostas e projetos para a construção de tal sociedade. Propostas e projetos esses que foram levados a cabo em nome da construção de um mundo melhor. O interessante aqui é percebermos que a consolidação de tais propostas e projetos passou sempre pela busca e pelo o estabelecimento de uma ordem. E no estabelecimento da ordem uma questão sempre apareceu: o que fazer com o diferente, com a diferença? A resposta, se levarmos em conta a história das sociedades, foi dada na forma de três maneiras de lidar com a diferença: primeira, acabar com a diferença destruindo-a, matando-a; segunda, transformar a diferença para que ela se torne igual, assim a diferença deixa de existir e a ordem é promovida e, por fim, expurgar a diferença, exilando-a ou impedindo o contato.
O estabelecimento da sociedade soviética no início do século passado, as intenções nazistas, o processo de mundialização da sociedade capitalista através do mercado e tudo que este vem promovendo - guerras, má distribuição de bens, intolerância étnica, religiosa e política, miséria e destruição das culturas nativas e regionais - são maneiras de lidar e tentar destruir, transformar ou distanciar o diferente e as diferenças.
As características do mundo atual e a maneira como nele vivemos, testemunham o quão fragilizado é esse nosso mundo e o quanto nos encontramos fragilizados. Uma fragilidade que nos desnorteia a tal ponto que chegamos a acreditar que sozinho, digo, como indivíduos solitários, daremos conta dos problemas que nos afligem (desemprego, insegurança, condições de vida precárias, etc.), ou que cabe ao setor público resolver problemas individuais e privados, ou ainda, que devemos impor aqueles que são diferentes de nós as soluções que encontramos para vida. É equivocado pensar que as respostas que possuo são suficientes para responder as questões que se apresentam atualmente.  As respostas que possuo, no máximo servem para resolver os meus problemas pessoais (e olhe lá se servem mesmo). Também é um equivoco pensar problemas pessoais como problemas de ordem pública. Sim, a solução para varias questões pessoais passam pela questão coletiva - a segurança e a liberdade individual, por exemplo, só pode ser produto do trabalho coletivo, mas não podemos perder de vista que publico e privado são dois setores diferentes da sociedade. A privatização das soluções e dos meios para se resolver os problemas que dizem respeito à sociedade como um todo está fadado ao fracasso se continuarmos a acreditar que os problemas privados são mais importantes que os problemas coletivos. A solução dos problemas individuais, sim, passa pela solução dos problemas sociais e esses, por sua vez, só podem ser resolvidos coletivamente. Precisamos entender o espaço publico como um espaço social e coletivo, como um espaço político. Precisamos reaver este espaço político, e em seguida precisamos entender que este espaço é um espaço de manifestação das diferenças, dos diferentes. É de suma importância entender este fato.
O desejo de ordem não a constrói. E nesse sentido, negar o diferente e as diferenças, não é a melhor forma de viver o presente e muito menos de encarar o porvir. Negar ao diferente que ele se manifeste é negar a possibilidade à própria vida. O sonho de uma sociedade em ordem não deve passar pela destruição da diferença, por sua assimilação ou pelo seu distanciamento.
Não somos todos iguais e esse fato deve ser compreendido. Com prudência e coragem, precisamos nos colocar a disposição para enfrentar o diferente e a diferenças que se apresentam a cada dia, não para superá-lo ou superá-las, mas para aprender a conviver e quem saber construir uma sociedade que seja expressão de todos.
Precisamos assumir nossos erros e a partir daí criticar e denunciar as formas de pensamento, as crenças, os valores, as formas de vida que concebem as coisas e, sobretudo, a sociedade, negando as diferenças ou vendo nelas uma aberração. Se quisermos fazer uma oposição séria e conseqüente ao mundo que se apresenta, se procuramos uma vida mais digna e verdadeiramente de qualidade, devemos fazer isso de uma maneira totalmente nova. Por que não começar abrindo mão do discurso de poder: de tentar está sempre do lado certo, de acreditar que estamos sempre do lado certo? Não podemos defender com toda fúria posicionamentos que podem destruir a todos nós, que impossibilitam o estabelecimento de qualquer diálogo. Se continuarmos residindo em um sádico desejo de poder, na sádica ilusão de acreditar que estamos sempre certo, se assim agimos, estamos colaborando para que o caos aumente.

Alexsandro